( 5º Excerto )
Durante um mês, Maria viveu tormentos que nunca esquecerá. O quarto dos castigos é horroroso. Apenas um olho-de-boi gradeado na parte superior de umas das paredes permite que uma ténue réstia de luz solar penetre na cela. Uma tarimba e um colchão esburacado servem de cama. Duas mantas velhas e bafientas protegem com insuficiência do frio húmido do Inverno. A um canto, dois baldes, um com água e outro para usar como latrina. Ambos são substituídos de três em três dias. Pendurada num prego ferrugento, uma toalha que nunca foi trocada. As refeições, constituídas de pão seco e macarrão cozido, são transportadas em marmitas amolgadas, negras, gordurosas e repelentes. Passou fome e sede, até não sentir vontade de se alimentar. A escuridão da cela, a humidade e o frio provocaram no seu consciente a visão de um corpo inexistente, insensível e exânime. Deitada na tarimba, de mãos coladas ao peito, olhos cerrados, sugere a imagem de um ataúde esquecido e desprezado à espera que o tempo o devore concedendo a Maria a felicidade eterna.
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Terminado o castigo, Maria regressa à camarata. O seu aspecto é deplorável. Está magra e doente. Dominada pelo poder absoluto e arbitrário das freiras, sente-se humilhada e ofendida na sua dignidade. Nestas circunstâncias tudo é indiferente, aconteça o que acontecer.
– Para quê viver? Que sentido faz ser uma mulher, quando na realidade sou um monte de carne a quem roubaram a inteligência, os sentimentos, o amor?
Dirige-se à cama para se deitar e parece reconhecer Laurinda numa visão fosca, franzindo os olhos para tentar definir com mais rigor a figura. Sente um impulso fremente de a espancar, mas não tem forças e agravaria a sua situação.
– Nunca te perdoarei, traidora miserável que destruíste a minha vida. Nunca te perdoarei. Nunca!
Laurinda não calculara que a sua denúncia causasse castigo tão horrível para Maria. Reconhece o seu erro e desejava pedir-lhe perdão, mas desiste com medo da reacção da colega. Nunca mais se falaram.
Durante a noite, Maria sente-se mal, com febre, dores no peito e tosse. Como não se levantou ao toque de despertar, uma freira aparece chamando-lhe calaceira. Ao ouvir os sintomas que Maria lhe transmite, vocifera:
– Tu estás infectada e vais ser transferida imediatamente para o Hospital. Desgraçada, que só nos dás problemas. Que Deus seja louvado. Ámen.
Chegada ao Hospital e após exames médicos foi diagnosticada uma pneumonia. Maria vai ficar internada durante alguns meses.
– Apesar de tudo, sempre será melhor estar aqui que no Orfanato. – pensou.
José Eduardo Taveira
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