Conhecido desde sempre como ave de bons augúrios, o rouxinol povoou a imaginação de todos nós por ser uma constante nos contos de fadas, poemas ou até mesmo fados, ao som dos quais fomos crescendo.
Conhecido pelo seu canto triste e beleza poética, ele é também o sinónimo do amor que não desiste, que não baixa os braços ante as dificuldades, que não esmorece nunca e nos traz um final feliz.
Mas há momentos em que ninguém espera ouvir um rouxinol.
Sem sombra de dúvida, um desses momentos é aquele em que estamos em pleno coração da cidade, enredados de prédios hirtos a perder de vista que lançam aos céus os seus braços de betão enquanto fastidiosamente escrevemos mais uma linha de uma carta de cobrança dirigida a quem não sabe ou não pode pagar o que deve.
A romper esses sons urbanos e ríspidos, do alto de uma velha antena de televisão, lá estava ele, saltitante, quase alegre, a cantar a sua canção que o meu avô me ensinou que soaria assim: “nossa senhora disse disse disse que eu cantasse e não dormisse isse isse.”
Na sabedoria popular existem tantos outros destes aforismos, mas nunca mais esqueci de entre todos os cantos de todos os pássaros, como soaria o canto do rouxinol.
No entanto, mais estranho que essa lembrança cravada em mim desde tempos imemoriais, foi a visita inesperada deste rouxinol, perdido no meio da cidade, esquecido de que é difícil competir com a pressa, a brusquidão e os ruídos ofensivos da urbe, e parar a escutá-lo, lançando o seu canto do alto de uma velha antena, a recordar amores de outrora.
Ana Brilha