( 6º Excerto )
Seis meses após o internamento de Maria, a enfermeira Celeste comunica-lhe:
– Vou dar-te uma boa notícia. O Doutor Alberto Carlos disse-me: “diga lá à miúda que lhe vou dar alta durante a próxima semana.”
Maria começa a preparar novo plano para sair do Hospital sem dar conhecimento a ninguém. Considera ser uma ingrata por não agradecer tudo o que fizeram por ela, mas espera mais tarde ter oportunidade para se justificar.
Durante a noite que antecede a saída do Hospital, Maria não consegue dormir. Olha para o relógio da enfermaria minuto a minuto. São sete horas. Levanta-se e veste-se silenciosamente. Sai da enfermaria, percorre o corredor até à escadaria pela qual desce até à porta. Olha em redor. Não vê ninguém. Nervosa, roda a maçaneta, mas não abre. Está trancada. É cedo de mais. Volta para trás e recosta-se na cama que ocupara durante meio ano. Espera ansiosa que a porta seja aberta. Com o cansaço de uma noite em claro, adormece. É acordada por uma freira que entretanto entrara para a levar para o Orfanato. Por momentos pensa viver um pesadelo. Um fogo intenso percorre-lhe o corpo, como se fosse uma bomba pronta a explodir. Senta-se, chorando com as mãos a tapar-lhe a cara. A freira farta-se de esperar e ordena-lhe que se levante e a siga, porque não tem tempo a perder. As companheiras da enfermaria acenam-lhe, desejando-lhe felicidades. Maria está furiosa consigo mesma. Cometeu o erro fatal de não ter dormido durante a noite.
– Desta vez a culpada sou eu. E agora vou continuar para aqui nesta vida estúpida que nunca mais sai da cepa torta. Que raio de sorte a minha! Estou farta disto! Até já perdi a confiança em mim.
*****
Para Maria, a sua reentrada no Orfanato foi uma surpresa. As freiras receberam-na com fleumática cordialidade, talvez reconhecendo que foram responsáveis pela doença originada pelas condições sub-humanas em que tinha vivido durante um mês. Permitiram que as raparigas rodeassem Maria, fazendo-lhe perguntas sobre o que lhe tinha acontecido para estar tanto tempo fora. Nem queria acreditar no que estava acontecer. Foi respondendo à curiosidade das colegas. Este inesperado acolhimento fê-la sentir ressarcida pelos momentos dramáticos que tinha vivido naquela Casa. Trinta minutos depois uma freira avisou-as que acabou o recreio.
Ao fundo da camarata uma rapariga sentada na cama chora, tapando a cara com as mãos trémulas do frio ácido vertido das suas entranhas, provocado pelos remorsos do seu traiçoeiro comportamento. Laurinda tem a certeza que Maria nunca a perdoará.
José Eduardo Taveira
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