A CRÓNICA DA PRODUÇÃO
TEXTO JÁ PUBLICADO NO MEU SITE
Muito se tem falado na nossa fraca capacidade de produção; só falta os nossos distintos entendidos nestes negócios de fazer coisas nos dizerem, abertamente, sem tibiezas, olhos nos olhos, com fumo escaldante a sair-lhes das narinas, “ Vocês são uns estupores de uns calões!” Então eu pensei, cá no meu jeito de ver a vida, “este assunto dá uma razoável crónica assim a jeito de fábula”, então meti mãos e cabeça à obra… e aí vai:
Era uma vez, lá para os lados do norte do País, dois homens que sabiam falar. Viviam ambos numa cidade pequena do País, onde, não interessa para o caso, não vão eles por essas bandas ficarem ofendidos, que estas coisas das susceptibilidades são terríveis…
Um dos homens chamava-se Mal Disposto, o outro, magro e de pele macilenta, chamava-se Barnabé. O Mal Disposto tinha um armazém de retalhista que fornecia o comércio local, e também ensacava arroz. O outro, o Barnabé, magro e macilento, trabalhava para o Mal Disposto como ensacador de arroz, de estrema confiança, diga-se de passagem, por ser empregado já de longa data.
Um dia o patrão Mal Disposto, (que sabia falar, como acima se disse), entrou no armazém com um brilho cintilante no olhar, coisa rara nele, que nunca descobria a pólvora, foi à secção de ensacar arroz, chamou o seu homem de confiança à parte, e disse: “Barnabé, tenho sobejas razões para desconfiar que nos andam a roubar arroz dos sacos. Tu, com a tua experiência, sabes quantos bagos de arroz leva um saco?” E o Barnabé, que também sabia falar, como acima de resto já foi dito, respondeu: “Eu não, patrão, eu nunca contei os bagos…” ao que o patrão Mal Disposto respondeu: “Eu sei. E não tinhas nada que contar, porque para pensar e dar ordens cá estou eu!” Foi então que o empregado Barnabé ficou encarregue de contar quantos bagos de arroz leva cada saca das grandes, das que se destinavam para a exportação. O patrão garantira-lhe que, por essa via, ia conseguir aumentar a produção e assim podia aumentar-lhe o ordenado, como chefe de secção, para os quinhentos euros mensais…
No dia a seguir, Barnabé, pé ante pé, escolheu uma sala ao lado do escritório do patrão, estendeu no chão uma manta velha trazida de casa, abriu-lhe por cima um plástico, levou uma cartolina e um lápis, uma saca de arroz, sentou-se no chão de pernas cruzadas e começou a tarefa da contagem dos bagos do arroz.
Barnabé contou bagos dias a fora e noites a dentro, à luz de uma vela durante a noite para poupar electricidade. A cada cem bagos Barnabé fazia um traço com o lápis na folha de cartolina. Depois, com extremo cuidado, carinhosamente, com as mãos ao cutelo, formando concha, metia os bagos dentro de uma das caixas de sapatos que, para o efeito, levara de casa. Com o passar dos dias Barnabé ia ficando cada vez mais cansado. O patrão estimulava-o, dizendo:”Então Barnabé, quando terminas o serviço? Pensa nos quinhentos euros, homem, pensa na boa vida que vais levar com tanto dinheiro, vais parecer um senhor de gravata, como o senhor engenheiro que manda na Associação dos Patrões!” E Barnabé ganhava ânimo, esmerava-se, produzia.
Certa noite, já madrugada dentro, Barnabé teve dúvidas. Não se teria enganado nos riscos feitos na cartolina? E o bago de arroz, o último, tinha-os contado bem? Desconsolado, olhou por longo tempo a quarta caixa de sapatos, meio cheia, e depois encolheu os ombros. Pensou: “Estou aqui sozinho, a hora tão tardia, também, mais bago menos bago, quem vai saber?
Passaram semanas. Barnabé, cada dia mais magro, escanzelado e macilento, com uma pele cada vez menos branca, olheiras profundas e sonhos esquisitos, foi-se finando aos poucos, até que, certa manhã, o encontraram morto no chão de cimento.
Mal Disposto ficou vidrado. Então o tipo não pediu ajuda porquê? Ele tinha posto mais pessoal a ajudar, se fosse preciso. O pior, bem, é que o deixava desprevenido, impossibilitado de arquitectar uma estratégia para aumentar a produção a partir do conhecimento exacto de quantos bagos de arroz levava cada saca. Mas como bom patrão que era, Mal Disposto, não só se encarregou de mandar pagar o mês na íntegra à viúva, como negociou com a florista uma coroa de flores para mandar ao funeral. Viu tamanhos e consultou preços. Foi a várias floristas. Por fim decidiu-se por uma bonita coroa com cinquenta centímetros de diâmetro. Isto, o que conta é a intenção. Pensou. À saída da loja, quando guardou a coroa na bagageira do carro, retirou uma flor, uma rosa, para meter numa jarra com água e dois dias mais tarde a oferecer à esposa que fazia anos…
NOTA:
ACONSELHO OS NOSSOS DOUTOS GOVERNANTES A RECORREREM AO EMPRESÀRIO “MAL DISPOSTO” PARA SANAR DE VEZ O DESEMPREGO!