(TRABALHO JÁ PUBLICADO NO MEU SITE)
Imaginem vocês milhões de ovelhitas, repartidas por diversos rebanhos, cada um com seu Pastor. Os rebanhos pastam ervas ressequidas, já de pontas amarelas, em resultado de um longo período de secas, e cada Pastor conduz o seu rebanho a subir a Via-Sacra em direcção ao Monte Calvário, onde os rebanhos, (todos sem excepção), vão a ser imolados para apaziguamento das iras de deuses rivais. Os riachos estão secos e as suas águas poluídas, e nos prados ontem férteis já se vêm espaços imensos de terras castanhas e secas, gretadas pela acção do sol.
O Pastor Silva caminha com a ajuda do seu cajado e com o préstimo dos seus cães de pastoreio, animais que respondem ao assobio do dono, amedrontando com latidos e rosnidos os pobres e indefesos bichos.
O Pastor Silva tem por deus a Economia de Mercado, um deus poderoso que se faz representar na terra pelos seus ministros Bancos e pelos seus Pastores, pelas suas indústrias poluentes e pelos dogmas da sua Moral. Assim o Pastor Silva vai, (com o seu sermão), ajudando o seu rebanho a vencer as vertentes íngremes que conduzem ao Monte Calvário. As cruzes pesam e a sede aperta, os lábios dos animais estão gretados, mas nem um bom samaritano, nem uma simples Maria Madalena se encorajam a levar uma celha de barro com água para mitigar a sede aos pobrezitos. Temem os cães, temem o Silva, e acima de tudo não sabem como agir. Dizem, de si para si, a jeito de desculpa, O que posso eu fazer? Sou apenas um. Sei que os outros estão por aí, mas eu não sei onde, nem quem são, não os conheço! Pobres animais, que me fazem tanta pena!
O Pastor Silva prega o seu sermão: Nas veias dos bancos corre o sangue de deus, que nos vai conduzir à salvação eterna. Bem-aventurados os que acreditam, pois deles será o próximo Empréstimo. Salvem os Bancos para que as empresas e as famílias sejam salvas pela agiotagem dos juros. Redimam-se de todos os males que praticaram e trabalhem para salvar os Bancos. Trabalhem muito. Trabalhem mais ainda do que fizeram em toda a vossa vida, para as vossas famílias, para o vosso consumo. Trabalhem para a salvação dos Bancos porque salva-los é como salvar deus, a Economia de Mercado que tudo vê e tudo sabe. Trabalhem para baixar o vosso défice, e quando ele novamente crescer trabalhem mais ainda, e cada vez mais, e muito, muito mais, para comprarem no estrangeiro todo o que precisam e não produzem.
E o rebanho, que já pouca erva encontra para apaziguar o estômago, com os seus bodes cornudos na frente, em circulo, na protecção do seu Pastor Silva, que tanto percebe de Economia de Mercado, lá se vai arrastando pela encosta.
Ao cimo da encosta já se avista o Monte Calvário, já se percebem as cruzes dos outros e os corpos putrefactos dos que não tiveram ninguém para os resgatar. Dentro em pouco haverá mais cruzes (as do rebanho), e o Monte Calvário, um belo Mercado Comum, onde se faz negócio com a madeira das cruzes e com as coroas de espinhos, porque, de Cristos, (aqui se pode dizer que o são todas as ovelhas e todos os velhos bodes), se tem enchido por esses séculos fora. As madeiras e as coroas de espinhos são a matéria-prima que mais abunda. Os vendilhões do templo também. Hoje são Pastores. O Silva, o Sousa, o Filosofo e o outro, um que parece navegar em águas turvas a buscar um rumo.
A tarde sufoca porque de brisa está o tempo ausente. Mas existe um sol a morrer para lá do monte, abrasador, uma leve poeira fina que mesmo sem brisa baila coreografias grotescas a meia dúzia de palmos do solo, e as ovelhas (que os tosquiadores esperam no cimo do Monte) só no último instante antes da morte vão a perder a sua lã.
Não se vislumbra pena na expressão dos Pastores, nem na dos seus tosquiadores. São apenas rostos sem olhos virados para os deuses. E os deuses, de tão concentrados que estão nos seus negócios, nem sequer sabem que existem ovelhas.
De todos os lados sobem rebanhos ao Monte. O Sousa fala da sua Fé, do seu deus, a Igualdade. Como vai ser belo, diz na sua voz exaltada, depois da nossa vitória, um rebanho imenso com lombos de lã lustrosos e de belos tons café com leite, iguaizinhos. Animais do mesmo tamanho, da mesma altura, com o mesmo volume, com um rumo certo que os leva aos pastos da abundância, aos lagos das águas cristalinas, ao saber da cultura, a nossa.
O Filosofo sobe por outra encosta. Aos seus fala de um deus que se chama Socialismo, e que parece que circula por aí em liberdade. É estranho. Se está em liberdade é porque algo de mal fez, e cumpriu pena. Que será que fez? Que interesse tem um deus assim, é confiável, é justo? Quem o pode dizer, se nunca se mostrou porque nunca saiu da gaveta? Mal por mal prefiro o deus do Sousa…
Ao fim de três dias, (para não dizer sete, porque outro já o disse), tudo terminou. O Monte Calvário ficou cheio, e como não foi suficiente em largueza de espaço para conter tanta morte, tanta cruz, a morte desceu as encostas e veio para as planícies, atravessou os rios, rodeou as vilas, os lugares, os sítios, até as cidades. O País é um cemitério, e nem os Pastores e os tosquiadores escaparam, porque em confronto se mataram uns aos outros. Sempre me disseram que os cães não lutam até à morte. Mentiram-me. O fim dos Pastores é disso exemplo e prova.
No dia seguinte, ao nascer do sol, silêncio. Os corvos e outras aves de rapina deleitam-se a saborear os olhos das ovelhas. Apenas um ou outro balido, vindo das poucas que sofrem os últimos espasmos da vida. E essas ainda dizem, baixinho, para não incomodarem a morte, Que podia eu fazer, meu deus?
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Eu cá vou desancando nesta gente o mais que posso, mas a maré é tremendamente forte. Uma “ajudinha” de todos é muito bem vinda! Obrigado.
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Vale mais tarde do que nunca. Só por mero acaso descobri a sua existência. Vou começar a ler. Até à próxima!
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