NO FUNDO SOMOS BONS MAS ABUSAM DE NÓS !

“O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma “civilização planetária”? Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia, na Idade Média, o indivíduo submerge-se no colectivo. A diferença é que esse colectivo é hoje o puro vazio.”

Texto de autoria de Vergílio Ferreira, incluído na obra “Conta-Corrente 2”.

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PARABÉNS, LUÍSA COSTA GOMES !

Luísa Costa Gomes nasceu em Lisboa no dia 16 de Junho de 1954.

Escritora, dramaturga, cronista, guionista, tradutora e encenadora, é licenciada em Filosofia, pela Universidade de Letras de Lisboa.

Foi professora do Ensino Secundário durante vários anos.

Algumas das obras que escreveu:13 Contos de Sobressalto”, “O Gémeo Diferente”, “Contos Outra Vez”, “O Defunto Elegante”, “Olhos Verdes”, “Ilusão (ou o que quiserem), “Império do Amor”, “Nunca Nada de Ninguém”, “Clamor”, “Duas Comédias”, “O Último a Rir”, “O Céu de Sacadura”.

Escreveu os libretos de algumas óperas, das quais se destaca “Corvo Branco”, de Philip Glass e Robert Wilson, apresentada durante a Expo 98, em Lisboa.

Encenou a peça “O Príncipe de Homburg” de Heinrich Von Kleist.

É autora de vários programas de rádio e televisão.

Colaborou nos jornais “Independente”, “Público” e “Diário de Notícias”.

Recebeu os Prémios: D.Dinis da Fundação da Casa de Mateus, Máxima de Literatura; Fernando Namora e Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco.

É directora da revista “Ficções”.

Participa no Programa Artes na Escola, na Direcção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular.

Traduz filmes, teatro e ficção.

Nesta homenagem no dia do seu aniversário, um excerto da obra: “Olhos Verdes”:

“Eva Simeão esconde as duas latas de bolachas debaixo da cama. Procura lembrar-se do sítio onde arrumou a lanterna. Benjamim fora claríssimo quanto à necessidade da lanterna. O rádio portátil estava na mesa-de-cabeceira, como sempre, só lhe faltavam as pilhas de reserva. O extintor e o estojo de primeiros socorros tinha-os inscrito na lista das próximas compras prioritárias. Com as duas garrafas de litro e meio de água e as quatro latas de conservas, ficou pejado o espaço por baixo da cama.
Eva passeou-se então pelo apartamento, considerando os objectos expostos do ponto de vista de uma emergência. Em caso de tremor de terra, qual deles cairia primeiro? Era uma pergunta de difícil resposta a partir de certa altura. Outra pergunta de difícil resposta era a seguinte:
– Qual é a parede mestra da casa em que vivo?
Dizia-se que a parede mestra era a última a cair.
Isis a melhor amiga ficaria talvez satisfeita ao saber que os dias de Eva não eram um mar de rosas. Deles passava muitas horas a conversar imaginariamente com João-Baptista e essas eram as horas boas. O director de marquetingue que habitava a imaginação de Eva era substancialmente e qualitativamente diverso do João-Baptista tal como o conhecemos. Desde logo, o tom do cabelo era mais claro, os olhos mais luminosos e sem pés-de-galinha, a pele mais branca e igual. Sabendo, por exemplo, que o cabelo é uma expressão privilegiada da personalidade e que os cabelos vigorosos e brilhantes, em plena forma, traduzem uma saúde boa e um grande dinamismo, conclui-se que o João-Baptista que Eva imaginava era mais vivo e mais dinâmico do que o, por assim dizer, real. Este vigor, no entanto, tinha excepções. O director de marquetingue em abstracto era fraco, romântico, dependente das palavras e das acções de Eva. Ela, nos diálogos brilhava pela inteligência e pela agudeza do espírito, a prontidão dos repartés, tudo o que torna enfim as mulheres fatais. João-Batista arrebanhava o troféu de melhor actor secundário”.

 

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Excertos da Alma…

…enquanto ela caminhava, ele admirava o seu reflexo como se fosse a primeira vez. Mergulhou a sua mente nas ténues recordações dos seus encontros, nos segredos a descoberto, no fingimento do seu amor hipócrita e na dor que deixava marcada em cada ser adormecido. Era louca. Uma louca sadia que a tornavam realista face ao mundo que construiu, impenetrável a qualquer sentimento, a qualquer mudança…

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Apresentação do livro Chuva Miudinha

No passado dia 9 de Junho, apresentei o meu livro, Chuva Miudinha no Morocco House Of Tea em Guimarães.

Foi uma tarde muito agradável com a apresentação da Dra. Ana Paula Faria, Professora na Universidade do Minho.

Com aproximadamente 50 pessoas na assistência, entre familiares, amigos e alguns representantes políticos da cidade, foi uma tarde onde o meu livro foi discutido, com a leitura de alguns poemas.

Quero agradecer a todos os presentes, e partilhar o local de venda do meu livro para os interessados.

http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/chuva-miudinha/9789892030203/

Cumprimentos;

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Chuva Miudinha

“Comecei a escrever poesia sem querer, podemos dizer que fui obrigado a fazer o meu primeiro poema. Tenho que agradecer à minha mana por me ter obrigado a responder-lhe em verso. A partir daí, comecei a escrever quase diariamente. Foi por tua causa que tudo isto começou. Bem ou mal, apanhei o gosto. Acima de tudo, tenho que agradecer aos meus pais, pelo apoio, pelo incentivo e pelos “ai que lindo…” que ajudam sempre a subir o ego. Mas nunca esquecendo os restantes familiares e os meus amigos, as suas críticas ajudaram-me a escrever cada vez mais, para além dos pedidos de poemas personalizados… Mas um obrigado especial ao meu amigo Sid, sem ele, este livro não saía do blog. Não te agradeço o suficiente pelas vezes que te chateio, mas agora tens aqui o meu agradecimento em papel. Obrigado! Por fim, quero mandar um beijo muito especial a um Anjo muito especial. Que me atura, me mima e me ilumina os dias. Para ti, por seres tu! Espero que tenham gostado, ou, que não tenha sido assim tão mau. Beijinhos e abraços e essas coisas todas.”

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Digo-vos, é uma chatice termos o bolso do casaco descosido. Conheci pessoas que foram mandadas para casa, impedidas de trabalhar, por terem um simples rasgão na camisa, mas o bolso descosido é muito pior!
Não imaginam o incómodo, o horror, das moedas a tilintarem ao longo do forro, as chaves do carro que não se encontram, tudo misturado com pequenos sulcos de areia e cotão, enfim, um sem número de contrariedades que nos debilitam a capacidade e imagem profissionais, a autoestima, e quebram a organização que deve imperar num escritório.
Andei assim uma semana e não podia mais! O cúmulo foi a última reunião de sexta-feira em que fechei um processo. O cliente, satisfeito como esperado, pagou a conta final em cheque traçado, de aperto de mão fácil e sorridente, e lá foi de problema resolvido retornar à sua vida de sempre.
– É para o arranjo! – disse como que a chamar a atenção para o desmazelo. O horror! A vergonha!
Isto foi pela manhã, se bem me recordo. Meti o cheque na carteira, a carteira no bolso, decidido a ir ao banco. Pelo caminho encontrei um colega da faculdade, o César, que insistiu (minto, exigiu) que almoçasse com ele e lhe contasse novas de tudo quanto andava a fazer.
À tarde, um prazo atrasado que tinha de cumprir gastando os dedos contra o teclado do mal digerido almoço. Vida exigente, cansativa e apressada de quem escolheu a profissão que mais fulmina os desgraçados de ataques cardíacos e apoplexias.
Sobrevivendo a mais uma sexta-feira, cheio das promessas de 48 horas de descanso e liberdade, cheguei a casa, descalcei os sapatos e esqueci-me a fazer zapping da vida em frente à televisão enquanto anestesiava o cérebro perro do excessivo labor que dava às suas engrenagens misteriosas.
Fui-me deitar meio ébrio de sono e cansaço, não sem antes pedir à minha mulher que me cosesse o famigerado bolso do casaco. Só no dia seguinte me lembrei que deveria ter passado no banco para depositar o cheque. Não fazia mal, a minha segunda-feira iria ser de certo um dia mais calmo e podia fazer isso de tarde.
Cheguei ao escritório na segunda, cumpri a religiosa reunião de coordenação de trabalhos e preparei-me para ir ao banco já com o bolso do casaco arranjado (que a desfeita que o outro me fizera ainda estava bem gravada na minha autoestima e a nossa imagem deve sempre transmitir a forma modesta mas asseada e elegante de estar na vida).
Meti a carteira ao bolso e fui, desta feita sem interrupções, até ao balcão. Esperei pacientemente na fila, que hoje em dia nada se consegue sem a tolerante espera das burocracias, e chegada a minha vez , qual não foi o meu espanto ao verificar que o cheque tinha desaparecido. Tremi de humilhação e voltei ao escritório, revirei folhas, memorandos, envelopes, papéis de rascunho e até os livros que consultara na semana anterior e nada: o cheque tinha-se evaporado.
Talvez o tivesse colocado em qualquer outro sítio, mas não me lembrava de nada além do almoço com o César. Esperei alguns dias antes de dar o dinheiro por perdido mas, carambas, prezo-me de ser uma pessoa organizada e cuidadosa e toda aquela situação punha em causa a minha autoimagem. Não sabia muito bem o que fazer e continuei nesses dias a procurar o cheque apesar de quase poder jurar que o tinha perdido no meu almoço com o César. Suspeito…
Só duas semanas depois, quando me preparava para sair, palpando os bolsos para confirmar que guardara a carteira, senti um volume estranho na aba do casaco. Virei-o, testei a textura, o som, revirei o bolso remendado e vi que se tratava de um volume de papel. O cheque ficara dentro do forro do casaco…
Às vezes, mais vale um bolso roto que um cheque inacessível, pensei, ciente de que andava há semanas com um casaco remendado que valia mais de 300 contos… a menos que chovesse.
 
 
Ana Brilha
 
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PARABÉNS, JOAQUIM PAÇO D´ARCOS !

Joaquim Paço d´Arcos nasceu em Lisboa no dia 14 de Junho de 1908 e viveu até 10 de Junho de 1979.

Foi poeta, dramaturgo, romancista, ensaísta e crítico.

Durante 24 anos foi director dos Serviços de Imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Foi director do Trans-Zambezia Railway.

Presidiu à Sociedade Portuguesa de Autores.

Foi dos escritores portugueses do século XX mais traduzidos internacionalmente.

Algumas das obras do autor: “Crónicas da Vida Lisboeta” (6 romances), ”Poemas Imperfeitos”, “Patologia da Dignidade”, “Herói Derradeiro”, “Diário dum Emigrante”, “Ana Paula (Perfil duma Lisboeta) ”, “O Cúmplice”, “Ansiedade”, “Neve sobre o Mar”, “O Ausente”, “Paulina Vestida de Azul”, “Espelho de Três Faces”, “Memórias duma Nota de Banco”, “O Braço da Justiça”, “Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo” (3volumes), etc.

Recebeu os seguintes Prémios: “Eça de Queirós”, “Ricardo Malheiros”, “Fialho de Almeida”, “Gil Vicente” e “Casa da Imprensa”.

Nesta homenagem no dia do seu aniversário, o poema “Escrever é vencer a morte”, incluído no livro “Poemas Imperfeitos”:

ESCREVER É VENCER A MORTE

Escrever é projectar-se além da Vida,
É vencer a Morte.
Um dia esta virá, de surpresa, ou tardia,
Mas uma coisa não levará, não reduzirá a cinzas,
E sobre ela a sua álgida mão não terá poder.

Ó Morte, eu sei que tu me aniquilarás,
Mas não destruirás esta página
em que escrevo o teu nome,
O teu nome odiado e cruel.
Quantos seres derrubaste em volta de mim!
A todos apavoras.
Mas outras vidas há que não estão à tua mercê,
E essas, que nós criamos
Com a música das nossas palavras,
Com a febre do nosso espírito,
Com a ambição do nosso sonho,
Essas – sobreviver-nos-ão
E o teu amplexo não as envolverá.

O que fica do artista, para além dele, não te pertence;
Basta que nós te pertençamos.

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PARABÉNS, FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, no dia 13 de Junho de 1888 e viveu até 30 de Novembro de 1935.

Foi poeta, escritor, editor, crítico literário, jornalista, empresário, tradutor, inventor, publicitário e astrólogo.

Trabalhou em várias firmas comerciais como correspondente de línguas inglesa e francesa.

Passou parte da sua juventude na África do Sul, em Durban, para onde viajou com sua mãe. Lá aprendeu correctamente o inglês.

  Em 1905 regressou para Lisboa, onde se instalou definitivamente.

Colaborou nas revistas: “Águia”, “Presença” e “Orpheu” (1º número). No 2º e último número, Pessoa assumiu a direcção da revista em conjunto com Mário de Sá-Carneiro.

Fundou a editora “Olisipo”. Dirigiu as revistas “Athena” e “Comércio e Contabilidade”.

Fernando Pessoa era um estudioso do ocultismo e da astrologia. Efectuou mais de mil horóscopos.

Em África do Sul criou os heterónimos: Chevalier de Pas, Charles Robert Anon e Alexander Search e H.M.F. Lecher. Abandonou-os quando partiu para Lisboa, onde adoptou os heterónimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro.

Traduziu diversas obras inglesas para português e obras portuguesas para inglês, nomeadamente de Almada Negreiros e de António Botto.

  Foi apreciador de tertúlias intelectuais e frequentava os seus cafés preferidos, como “A Brasileira”, o “Martinho da Arcada”, os “Irmãos Unidos”, o “Café Montana” e a “Cervejaria Jansen”.

Da sua bibliografia destacam-se os livros: “O Marinheiro”, “Livro do Desassossego”, “Na Floresta do Alheamento”, “O Banqueiro Anarquista”, “Por Ele mesmo”, “Poesias”, “Poemas Dramáticos”, entre outros.

Ganhou o Prémio Rainha Vitória, na Universidade do Cabo em 1903, pelo melhor ensaio de estilo inglês. O valor do prémio era 7 libras e o premiado podia adquirir livros até esse valor.

No prédio em que Fernando Pessoa viveu entre 1920 e 1935, situa-se a Casa Fernando Pessoa, um espaço cultural concebido em homenagem ao poeta.

João Botelho realizou as películas: “ Filme do Desespero”, a partir do “Livro do Desassossego” e “Conversa Acabada”, baseada na obra de Fernando Pessoa e na sua relação com Mário de Sá-Carneiro.

Alguns pensamentos de Fernando Pessoa:

As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”.

– “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

– “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

– “Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias”.

– “Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo”.

Fernando Pessoa, que nasceu no dia de Santo António, era apreciador de quadras populares. Ele definia assim a quadra: A quadra é o vaso de flores que o povo põe à janela da sua alma”.

Algumas quadras de sua autoria:

Cantigas de portugueses

São como barcos no mar
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.

 A rosa que não se colhe
Nem por isso tem mais vida.
Ninguém há que não te olhe
Que não te queira colhida.

 Por cima da saia azul
Há uma blusa encarnada,
E por cima disso os olhos
Que nunca me dizem nada.

Baila o trigo quando há vento
Baila porque o vento o toca
Também baila o pensamento

Quando o coração provoca.

Nesta homenagem no dia do seu aniversário, o poema:

Liberdade

Ai que prazer

Não cumprir um dever,

Ter um livro para ler

E não o fazer!

Ler é maçada,

Estudar é nada.

O sol doira

Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,

Sem edição original.

E a brisa, essa,

De tão naturalmente matinal,

Como tem tempo não tem pressa…

Livros são papéis pintados com tinta.

Estudar é uma coisa em que está indistinta   

A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,

Esperar por D. Sebastião,

Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…

Mas o melhor do mundo são as crianças,

 

Flores, música, o luar, e o sol, que peca

Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto

É Jesus Cristo,

Que não sabia nada de finanças

Nem consta que tivesse biblioteca

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Plantei-te uma flor…

Plantei-te uma flor
com o teu sabor
nesse corpo de harpejo
minha boca
teu desejo
éramos assim feitos
de saliva e beijo
como da primavera
o cerejo

José Guerra (2012)

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As muitas parcelas da nossa moral…

As muitas parcelas da nossa moral…

Faz uns dois mil anos que um imperador da antiga Roma, homem despachado, empregou os seus muitos talentos para se livrar de uma vez por todas, de uns incómodos adoradores de um deus, à época novinho em folha.

A Roma de então fortalecia-se na lógica e na moral dos seus muitos e atarefados deuses. Para quê mais um? Ainda por cima um insignificante, modesto e pobre filho de carpinteiro, pregado numa cruz e com uma coroa de espinhos a sangrar-lhe a cabeça!

Que falta de grandeza, que imoralidade! Um deus pobre, despido de riquezas terrenas.

Um deus que afronta a Força das armas do Império e a tenta amedrontar com o Poder imaginado que existiria no Céu.

O imperador, (rapaz despachado como acima se disse), era pessoa de muitos talentos; coisa que resulta de uma educação esmerada e de uma linhagem a perder de vista na distância do tempo. Tinha, (de comum com os homens simples do Povo), as suas traquinices, as malfeitorias que resultam de certos vícios que se pretende, a todo o custo, esconder das bocas do mundo.

O imperador, confesso adorador de Baco e das suas Orgias, ser sequioso do Conhecimento das Coisas, que esventrou a mãe para, com o rigor da verdade nua e crua, Saber de fidelíssima fonte de onde provinha, gizou um plano; de um só golpe chamou a si a protecção do seu deus Baco, livrando-o da concorrência de um novo deus, ainda que pobretanas e, em consequência, inofensivo, e lançou sobre os ombros dos ditos Cristãos o peso de todos os seus vícios e malfeitorias. Condenou-os a perecerem na arena do Circo Máximo como repasto dos leões e para divertimento do seu povo.

Ainda a lógica não era considerada uma batata, e já o excelso imperador tinha raciocínios modernaços, ao nível do século XXI, tais como: “Morre o bicho, acaba-se a peçonha.”

Vem isto a propósito de quê, que se me varreu? Há, já me recordo; de dois importantes jornalistas, escritores, e talvez muitas outras coisas, como doutores, por exemplo, que, dias atrás, perante as câmaras de certo canal de televisão, afirmaram, (sem dúvida), em pleno uso das suas faculdades mentais: “O Comunismo não é a solução,” ou coisa parecida, e ainda, sobre a Associação 25 de Abril, que, feita a Revolução para o Povo, é este o soberano do seu destino, ainda que, pela via dos maus fados e dos maus ventos, um qualquer imperador de “meia tigela”nos venha cantar ao ouvido as “canções do bandido.”

Assim, vamos falar um pouco sobre estas duas e pertinentes questões. Falemos da primeira, de ser o Comunismo uma solução viável ou não para nos arrancar deste mal-estar a que damos o nome de crise.

Ao invés do que parece, eu, simplesmente, não sou COMUNISTA. Nem Comunista nem outra coisa qualquer que se relacione com a politica activa, praticada pelos partidos. Isto, digo-o para que se conste.

Quanto ao Comunismo contesto a época estalinista, e não apenas; reconheço que, (enquanto Império), existiram erros e práticas que negaram os Princípios; e os Princípios, meus senhores, em política, são tudo.

Enquanto indivíduo que se insere no colectivo percebo que, para navegar, para ter objectivos, para evoluir, é-nos indispensável um Ideal, um rumo; também entendo que, na nossa condição de latinos, se não estamos limitados nesse campo, o temperamento que nos caracteriza, nos “enviesa” o trajecto. Os caminhos trilhados pelos povos europeus do Norte não nos são viáveis; não vale a pena escamotear, ou fugir às questões.

Nós, os latinos, filhos dos espaços quentes do Sul da Europa, destes climas temperados do mediterrâneo, somos capazes de ser tudo o que os outros são, mas sempre moderadamente; somos moderadamente sérios, moderadamente cultos, moderadamente inteligentes.

Noutras áreas somos de extremos; nos negócios (para dar um exemplo). Quando, ao fim de quinze ou vinte anos de gestão, uma Empresa Anglo-Saxónica realiza todo o capital que investiu no negócio, dá uma festa e os administradores afirmam que fizeram uma excelente gestão. Se a Empresa for latina e se o capital investido não for completamente recuperado passados dois ou três anos, é porque a gestão é para esquecer. Não foi má, simplesmente foi péssima!

No desporto, o futebol, para especificar, aquilo não é um jogo, mas sim uma batalha sem o recurso a canhões, apenas porque nunca nos deixam levá-los para as bancadas…

Contudo estamos vivos. Pobretanas, cheios de maleitas, eternamente lambendo as nossas feridas, já sem escravos que nos sirvam, mas vivos e a ocupar os espaços geográficos que são as nossas pátrias; para cada um de nós, mesmo depois de mortos, para daqui nos tirarem, vão ser precisos, pelos processos habituais, quatro. E vivos então, pela forma como estrebuchamos, mordemos e pontapeamos, por cada um são necessários muitos…

Ora, senhores jornalistas: para a nossa gente, mediana em tudo, o Comunismo, pela sua singeleza e pela sinceridade e bondade dos nossos camponeses e dos nossos operários, é sim o contra ponto às sevicias, abusos e roubos de que, (a cada dia que passa), somos vitimas, por parte de um sistema de ultra direita que, se não é declaradamente neo-liberal, de feição e ideologia nazi, é-o de maneira encapotada.

Os Comunistas não respondem a nomes de código, como Pinóquio, Gordo, e outros que por aí circulam; não têm (que se conste), deputados e banqueiros corruptos, polvos de braços longos imiscuídos na política e na alta finança, responsáveis por Região Autónoma de discurso banal e com administração inadmissivelmente corrupta, não depositam dinheiro de fuga aos impostos nos bancos suíços, não são o rosto de todos os males que afligem este País. São crédulos e ingénuos, (eu assim o penso), e querem endireitar o mundo há maneira das revoluções feitas na época em que era permitido aos povos sonharem e terem ideais, e isso, neste nosso tempo, é na verdade um sonho, pelo menos ainda distante, mas que são gente de Bem, isso, eu que com eles convivi, posso garantir que são. Já Sá Carneiro o dizia, nos discursos que fez na assembleia de então, publicados no Diário das Sessões que, clandestinamente, nos chegavam às mãos, e onde ele os comparava aos antigos Cristãos.

O que eu não esperava de todo, era que o raciocínio ingénuo feito por um imperador de à dois mil anos atrás fosse repetido agora, ainda por cima por gente com sérias responsabilidades na área informativa.

Os leões de então não tiveram barriga para tanto cristão, assim como os leões de hoje vão parar de comer Comunistas por causa da diarreia; é que parece que são indigestos, talvez insonsos…

Não, meus senhores. Vocês falham, com se dizia tempos atrás, como falham as notas de mil. Não se perseguem ideias, talvez que nem sequer valha a pena combate-las. Em política, a única maneira é sim fazer melhor, e vocês nunca o conseguiram; nunca se muniram da seriedade e da honestidade indispensável. Vocês sim, são os coveiros e os ladrões deste País.

Talvez que uma profunda crise de ideias esteja por detrás da falta de assunto para alguns importantes jornalista da nossa praça. Se me permitem, dou-lhes uma dica.

Certa tarde, estava atarefado a estudar um projecto no meu gabinete, nas instalações dos escritórios de uma das maiores obras que se fizeram neste País, quando, erguendo os olhos, vi um velhote debruçado para o exterior, de dentro de uma vala, que passava na frente. Não liguei, não era assunto da minha competência. Mais tarde, soube que o trabalhador, um servente com mais de setenta anos, tinha morrido porque a barreira da vala, ao ceder, lhe esmagou os rins.

Na manhã do dia imediato, quando discutia, exaltado, o assunto com um dos directores da Obra, fui informado que a administração retirara os custos correspondentes à entivação da vala, por os considerar elevados; e mais perplexo fiquei, quando me disseram que o valor da multa era francamente inferior ao custo da entivação. Aqui têm, meus senhores, um assunto pertinente para escreverem artigos e crónicas; é que, com uma Assembleia da Republica que dispõe de legisladores que produzem estas leis, que País necessita de inimigos externos…

Apraz-me saber que um destes jornalistas aqui mencionados escreveu sobre as obras megalómanas, (como o edifício sede da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa), que na época se fizeram. Excelente assunto. Eu não escolheria melhor. Mas, será que focou todos os ângulos? Pois, esta a questão de fundo. Quantos indivíduos de raça negra jazem nas fundações das nossas obras megalómanas de então, e qual a sua verdadeira identidade, sabem? Eu não sei, e sou do ramo da construção. Mas dou-lhes mais duas dicas; certo dia, um administrativo de uma obra desabafou comigo. Disse-me: Sabe como estas coisas são? Olhe, o outro dia, ao dizer a um africano que o bilhete de identidade que me mostrava não era o dele, recebi uma simples resposta, Pois não, era do meu avô, que era português! E se o meu avô era português eu também sou, como neto, e tenho direito a herdar o seu bilhete de identidade!

A outra dica: Vossa excelência recorda-se de ver, quando circulava de carro em direcção ao Sul pela ponte 25 de Abril, uma bateria de silos de armazenamento de cereais, em que um dos fustes mostrava um rombo?

Um arquitecto das minhas relações profissionais que, certa tarde, se reunia com o engenheiro dessa obra no local, interrompeu a reunião porque gritos alucinantes ecoaram por toda a obra. O engenheiro mandou de imediato parar todas as máquinas e colocou todos os operários em busca do acidentado. Os gritos foram enfraquecendo, até que se extinguiram. Passado tempo, o engenheiro mandou que as máquinas voltassem a trabalhar, e mandou que ninguém saísse da obra e que, no final do dia, todo o pessoal dos subempreiteiros formassem no parque de estacionamento e respondessem à chamada. Sabe o resultado? Simples, meu caro jornalista; não faltava ninguém!

E por último, mais uma para entreter no caminho. O maior drama na vida de um administrativo de obra, era ter de se deslocar a um dos muitos bairros degradados onde viviam os emigrados de raça negra, a combinar o número de homens que iam trabalhar na segunda-feira. Faziam-se sempre acompanhar pelo maior número possível de colegas. Um dia foi num desses grupos; no local, dei por mim a pensar como os dezasseis por cento de IVA da altura chegavam aos cofres do Estado. Qual o herói das finanças que se atrevia a ir ao local, a enfrentar os cães de combate que por ali se mostravam.

Enfim, meus prezados jornalistas, de tantas e tantas maldades feitas pelo capital selvagem que se apossou desta pobre terra, se pode escrever, e tão pouco se pode dizer e atribuir à selvajaria dos trabalhadores portugueses e aos comunistas, que determinado tipo de jornalismo que existe aí pelos quatro cantos deste nosso pedaço de mundo, o mínimo que se pode dizer é que francamente, é injusto. Merecemos, francamente, melhor.

Quanto à Associação 25 de Abril e ao discurso dos seus dirigentes, eu digo que, perante a realidade de tudo o que se passa, é justa qualquer intervenção, (mesmo que armada), que venha a ocorrer. É que está em causa a dignidade de um País soberano!

São passados mais de cinquenta anos desde que, pelos caminhos interiores da Beira Baixa, pelas serranias, quando, do pelotão composto por médicos, advogados e outros licenciados ou estudantes universitários, que o formavam, de mistura com uns quantos pequenos delinquentes e refractários que compunham o “ramalhete” urdido pelas mentes pequenas de um oficialato superior menor de intelecto, desse grupo, se elevava aos céus beirãs, uma soberba voz de barítono, entoando a plenos pulmões a Internacional Socialista, eu dizia para os botões da minha fardeta, aguilhoado pelo desconforto do capacete, das botas, dos apetrechos bélicos, incluindo a arma, que aquele exército colonial e esclavagista tinha os dias contados. Dito e feito. Só durou mais doze anos. E que anos, de luta e de desalentos, de raiva e de revolta, de pequenas vitórias, de lágrimas e de dor; mas também de esperança, de camaradagem e Jde amor. Muito amor, muito acreditar, muito sonhar. E sabem o que lhes digo, agora, mesmo para terminar? Aos setenta e dois anos ainda estou pronto para outra. Se necessário de novo com sofrimento, com lágrimas e com dor; mas, sabem, é que vale a pena ter ideais, conforta-nos a alma…

José Solá

 

 

 

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