A CIDADE EUROPEIA DA CULTURA?
Para nós, portugueses, as nossas cidades representam-nos; demonstram, (pela sua arquitectura, pela cordialidade e pela simplicidade das pessoas, como nos mostramos ao mundo), como, no correr dos séculos, fomos capazes de fazer obra. Somos um País com novecentos anos, que soube pôr sensibilidade em tudo em que tocou. Em particular nas coisas simples que nos temperam a vida. Terra com um folclore fabuloso, é com as nossas cidades que nos “vestimos”para que os outros nos admirem. Guimarães é nestes dias a montra de que todos devemos ter orgulho! Seja bem-vindo quem vier por bem! Mas…
Cuidado, que também temos maus hábitos, como esse de jogar fora, atirando-os pelas janelas, (quanto mais altas forem melhor e mais vistoso será o trambolhão), os nossos Andeiros. Nesses momentos perdemos a compostura, estala-nos o verniz. Passamos à raiva. O ódio cega e embrutece as gentes simples do nosso Povo. É que também sabemos reclamar por vingança, destilar ódios e gritar impropérios, vociferar, rugir, morder. É que somos gente de paixões, e, (como sou pacífico), daqui apelo ao bom senso dos que querem transformar Guimarães num caleidoscópio onde se escondam por entre os pedacinhos de papel colorido, em contra luz, do nojo que nos estão, a cada dia que passa, a incutir na alma. Por muito que façam rufar os tambores para encobrir os justos apupos da nossa gente, as vaias, os assobios, por muito que se escapem pela porta dos fundos, ainda que se encafuem nas lojas de música, disfarçados de violinos, ou nos antros mais recônditos das Igrejas a pedir perdão a Deus, ou no fundo dos túmulos, onde sempre o brilho dos seus dentes caninos os assinalam; a nós, os humanos, chega o cheiro das ratazanas pestilentas que na verdade são. E que cheiro. Fedem, ainda que se encharquem em perfume, e nem a distância e os ventos lhes encobre o rasto.
Injustificável, esta raiva que me vem de dentro, que me acompanha desde a infância, quando convivi de perto, paredes meias, com a fome, a morte e a santa ignorância de um povo, que vive da misericórdia sustentada pela mão dos ricos? Não, legitima e mesmo saudável, esta raiva, este sustento que me mantém e agarra à vida.
Águas passadas não moem moinhos. Diz o povo com a sua sabedoria. Então, e se as águas ainda correrem a mover as mós? É esta a questão. Não faz muito tempo que uma senhora que teve responsabilidades como ministra, disse, na arrogância da sua soberba, que, depois dos setenta anos, os doentes de hemodiálise deviam de custear as despesas dos tratamentos. Pergunto: passaram o prazo de validade? Nos países nórdicos, (como resultado dos descontos elevados), os cidadãos beneficiam de uma protecção total para as suas necessidades. Na doença, na educação, na cultura. E em Portugal, se (e quando) surgem as necessidades, mesmo que na sua globalidade, os descontos atinjam níveis da ordem dos sessenta por cento, (entre o empregador e o empregado), qual a protecção, se o Estado Social de opereta instalado pelo sistema, se tem limitado a desviar valores das reformas mais elevadas para atribuir aos que nunca contribuíram para o sistema, uma mísera pensão de sobrevivência. Não é humano deixar de atribuir estas pensões de sobrevivência; nunca por razões de consciência dos políticos, mas sim porque nos inserimos num espaço, o europeu, que se diz civilizado. O que diriam os de fora, a dimensão do ridículo e o escárnio a que nos expúnhamos. Assim como fazia o Salazar, se continua a tirar de onde faz falta, para pôr onde faz vista! Voltando à hemodiálise, se depois de uma vida de luta e de valorização, um cidadão que só contribuiu para a sociedade, e nunca dela tirou proveito, aos setenta anos, necessitar de tratamentos de hemodiálise, e não dispuser de meios económicos, como proceder? Considera-se que deve falecer porque atingiu o prazo de validade, ou o sistema suporta as despesas? Minha senhora, não ignore a pergunta e, por favor, responda! E o que fazer a um País onde a Justiça tem como trave mestra a não existência de qualquer Justiça, onde uma juíza consciente e responsável, num estado deplorável de saúde, se arrasta até ao tribunal para impedir que um processo prescreva, em consequência de uma lei com setenta anos, num País onde os deputados da assembleia desta Republica de Faz de Conta se pavoneiam no seu bem-estar, e se digladiam em discussões estéreis, teorizam sobre ideologias que nunca passam à prática, e se divertem no gozo de férias enquanto o povo passa, como sempre, uma pequena e constante fominha, essa fome de séculos que nos inferioriza face ao mundo.
Somos apenas um pequeno povo crédulo e indefeso, um povo que nunca aprendeu a pensar. De um lado a barreira geográfica dos Pirenéus, e uma nação maior e concorrente, que sempre nos fez minguar e encolher, do outro um mar grande, um oceano imenso, que sempre nos fascinou; cá dentro, estes donos obesos, gordurosos, emporcalhados de luxúria, os nossos Condes Andeiros. Em madrugadas de raiva perdidas na bruma dos tempos os jogámos pelas janelas. Tivemos dignidade, nesse dia. Fomos gente, fomos um Povo com maiúscula. E hoje, vamos espantar-nos com as cores deste caleidoscópio onde os abutres se escondem, ou voltamos a atirar os nossos Andeiros pelas janelas?
José Solá
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