Passaram onze meses de internamento. Maria terá alta nos próximos dias. O tratamento resultou, já não há risco de vida, mas terá de continuar a tomar os medicamentos oferecidos pelo Hospital e a cumprir com rigor a posologia prescrita pelo médico. Sentada numa cadeira da enfermaria, reflecte sobre o seu futuro imediato:
– Vou ficar à espera que as freiras me venham buscar, saio antes sem ninguém saber ou espero a ajuda de Celeste? À espera das freiras, nem pensar! Vou mas é perguntar à enfermeira se já pensou na promessa que me fez. Acho melhor assim. Ela tem sido muito boa para mim.
Inesperadamente vê Celeste entrar e dirigir-se-lhe. Sentou-se ao seu lado e disse-lhe:
– Maria, dentro de três dias vais sair do Hospital. Felizmente estás quase boa, mas ainda não completamente bem, mete isto na tua cabeça. Tens de manter assistência médica durante mais uns meses, até superares a fragilidade causada pelos problemas graves de saúde que sofreste. Foste uma doente exemplar. Sei que não queres voltar para o Orfanato. E eu compreendo as tuas razões melhor do que ninguém. Mas o Director do Hospital é obrigado a informar a tua alta ao Orfanato para que te venham buscar. Estás aqui sob a nossa responsabilidade e não podemos transgredir as normas. Eu não me esqueci do que te prometi, podes crer, mas temos de cumprir as leis.
Os soluços de comoção, não permitem que Maria fale.
Celeste tenta acalmá-la. Incentiva-a a chorar para descarregar as emoções. Está nervosa e sente-se mal disposta, com náuseas. A enfermeira acompanha-a até à cama. Depois de lhe dar um calmante para dormir, deita-a, carinhosamente.
Na manhã seguinte Maria recusa-se a tomar o pequeno-almoço.
– Nada vale a pena na minha vida. Para quê comer para prolongar o meu sofrimento, a minha tristeza? Não tenho ninguém em quem possa confiar. Não quero comer. Não me obriguem a comer. Não, não e não, já disse, não quero comer!
Chamam a enfermeira Celeste que, ao ser informada da atitude de Maria, fica zangada e pergunta-lhe a razão deste comportamento. Maria, com voz trémula, acusa a enfermeira de a enganar, permitindo que novamente regresse ao Orfanato. Celeste, com ar severo, responde:
– Eu não mereço ouvir palavras injustas. E nem admito que me acusem de falta de lealdade. Se não precisas da minha ajuda diz-me imediatamente e eu cumprirei à risca as ordens que tenho. Não estou disposta a perder tempo com pessoas ingratas.
Estas palavras provocam em Maria um sentimento de culpa. De facto foi mal-educada. Pede desculpas, que Celeste não aceita. Com ar ríspido retira-se com uma advertência:
– Logo falamos!
– Que quererá ela dizer com logo falamos?
(Continua)
José Eduardo Taveira