COMO TIPO QUE GOSTA DE ESCREVER NÃO POSSO DEIXAR PASSAR ESTA DATA FACTIDICA EM CLARO. PORTUGAL ESTÁ DE LUTO. NÃO FALA. FICOU MUDO. NÃO PENSA. ROUBARAM-LHE A ÚNICA DIGNIDADE QUE LHE RESTAVA, O DIREITO DE PENSAR NA SUA PRÓPRIA LINGUA.
Ontem, dia trinta e um de Dezembro do ano de dois mil e dez, vesti o fato mais escuro que tenho, pôs uma velha gravata preta e fui a um enterro. Não estive só. Havia outras pessoas mas não lhes consegui descortinar os rostos; pareceram-me disformes, tristes e distantes. O falecido foi o meu País, que foi a sepultar no mar dentro de uma urna transparente feita de vendavais. Estava bem, o corpo. Tinha jasmim e rosmaninho espalhados ao seu redor dentro da urna, vestia de branco e tinha um pequeno ramalhete de malmequeres preso na lapela. Os olhos pareceram-me mais castanhos e vivos, tal como os percebia sempre que, em miúdo, do quinto andar onde morava, espreitava a Pátria pelas vidraças da janela. Levava os cabelos pretos em desalinho e tinha um sorriso de catraio a mostrar-se entre os lábios. Não morreu de morte natural, coitado, que até foi novo. Também não provocou a morte, não foi suicídio não senhor, mesmo que muitos o digam. Aquilo foi crime. Assassínio, para ser directo e preciso. No peito estava cravada uma faca de diamante onde se conseguia ler: prenda do acordo ortográfico.
Eu não sei, não comento, não afirmo nem desminto, apenas vejo, escuto e olho. Mas, fazendo fé nos sentidos que a vida ainda me dá, entendo o que dizem por aqui e por ali, que foi um tipo insignificante, um caixeiro-viajante que vende absurdos porta a porta, por esse imenso mundo de Deus, quem foi o autor de tamanha proeza. Mas eu? Não sei, não me comprometo, não digo que sim ou que não. Apenas estou velho, tenho medo de falar muito, canso-me, tenho desalento, e só espero não demorar muito por cá agora que fiquei tão só…
José Solá
Amigo, em luto não está só, porque isso seria uma quarentena, de sentimentos ora mais duros ora mais ligeiros, … mas sim; entramos numa falta de respeito pela nossa Pátria, a mãe da nossa lingua, e todo o seu passado histórico. É vergonhoso sentir, na pele, o que imensos professores fizeram em ensinar os seus alunos e explicarem até à exaustão, para que as inocentes crianças não lhe envergonhassem a cara, por terem sido seus alunos.
Mais estranho é, o que estou a receber, como qualquer cidadão que se prese escreve, tal como o que estou a fazer, mas de vez enquanto as chamadas de atenção são constantes do meu português arcaico. Bem sei que qualquer resistência, ela só é dolorosa para mim, porque o movimento da Terra não pára, tal como não irá desaparecer instantamente os malfeirores, que na visão deles estão a querer inovar para se poderem afirmar no tempo.
Orlando Nesperal
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É isso meu caro. Vivemos tempos impossiveis! Um abraço.
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