Adolfo Simões Müller (Lisboa, Portugal, 1909-1989).
Foi poeta, jornalista, tradutor, contista e produtor radiofónico.
É reconhecido como um dos nomes mais relevantes da nossa literatura infantil.
Fundou e dirigiu “O Papagaio” (a primeira revista infantil portuguesa de banda desenhada), “Diabrete”, “Mundo de Aventuras”, ” Cavaleiro Andante “,“Zorro”.
Foi o autor do primeiro folhetim radiofónico: As Pupilas do Senhor Reitor.
No tempo em que os homens falavam
Quisera uma palavra virginal,
uma palavra em flor, novinha em folha
– minha, para meu uso pessoal,
em vez dos mil milhões que tenho à escolha…
As palavras perderam o sentido,
perderam os sentidos, num desmaio…
Se a gente pensa corpo, diz vestido;
e se diz música é trovão e é raio!
Depois, sabe-se tudo.
Porco é tó… Chefe etíope é rãs…
Amor e ódio são sinónimos…
Letras gregas? É ró…
N-A é o símbolo do sódio…
Ai as palavras cruzam-se no espaço
(só o que é surdo e cego o não descobre):
eléctricos fluviais, ponto e traço
– como nos versos de António Nobre.
Há-de chegar um dia… Dor secreta:
onde li isto? Assim se gera o plágio.
Há-de chegar um dia que o poeta,
Impassível, assista ao seu naufrágio.
Nesse mundo sem versos e sem alma,
lembrar-se-á (allegro ma non troppo…)
quando os homens falavam: doce e calma
era de fábula, de Fedro e Esopo.
Adolfo Simões Müller, in “Moço, Bengala e Cão”