Banquete e revolução

O BANQUETE
Faz muitos anos, muitos mesmo, morreu um velho arquitecto, monárquico por herança de sangue mas lúcido, e por consciência republicano. Na empresa de Construção Civil de sua propriedade (onde mais tarde eu ensaiei os meus primeiros passos como técnico,) as pessoas, – todas as pessoas, – dos engenheiros técnicos que formavam os seus quadros ao mais humilde operário, todos, pelo que me contaram, ficaram perplexos quanto ao futuro. Sucede, sempre que se perde um bom líder.
Deixou herdeiros. Dois filhos. Educados na rigidez tradicional deste velho País, no tempo em que os pais moldavam os filhos como homens e mulheres preparados para receberem a dureza do que tem sido, ao desfiar dos séculos, a nossa vida. Dinheiro, nunca lhes terá chegado aos bolsos enquanto estudantes, mas princípios e disciplinas sim. Cigarros só os que pedinchavam aos velhos operários. Livros, todos os necessários para se formarem como futuros lideres e bons profissionais. Com a herança de tamanha fortuna, a sua cabeça de gente nova delirou. Deram um banquete de arromba. Diz quem soube que foi coisa em grande estilo.
Sobre uma enorme mesa posta com todos os luxos da época, com a opulência e a ostentação dos muito ricos, a sobressair de entre as iguarias, uma enorme tina cheia de champanhe com uma jovem espampanante, loura, e toda nua, metida dentro. Quem quisesse que se servisse. Liberdade e libertinagem. Festa é festa. Orgia, bacanal. Tudo o que se queira. Dois dias e duas noites, ao que me contaram. Depois acabou. A educação, a responsabilidade, o dever de cumprir e honrar o futuro. Saíram da mesma massa que fabricou o pai. Empreendedores e honestos, que continuaram uma velha empresa onde todos nos sabíamos respeitar e conviver, onde existia consciência social, civismo, e muito apego às responsabilidades do trabalho…
A REVOLUÇÃO
A nossa chamada “revolução” funcionou (com as devidas distâncias), ou mal comparado, como é hábito dizer-se, como uma herança para os políticos. E que herdaram? Um País! Um Povo que se vestiu de esperanças e foi à rua, para comprar liberdade quanto baste, que dure até ao consumar dos séculos. A política é o brinquedo que se chama poder, e eu digo que também é a orgia de todos os sentidos. Não admira assim que se tenha comemorado com festa rija, após tantos e tão longos anos de jejum. Na política, por imposição da sociedade, devem estar os melhores, e para os nossos melhores, (que nos vão a garantir o futuro,) nós todos também queremos o melhor. Assim compreendemos a festa. O que não compreendemos é que, depois ou durante, os nossos políticos folgazões, se tenham enfiado nos casinos, se tenham viciado na roleta, e que, passados tantos anos, continuem a esbanjar o nosso dinheiro na jogatina. Também nos interrogamos: São estes os nossos melhores? Se são, como serão os nossos piores?
Pelo que me é dado perceber, a festa ainda não terá posto os pés no adro da Igreja, e como o meu sentido critico avalia o que aí vem pelos primeiros carros alegóricos, pelo foguetório, pela pregação do padre no púlpito, sinto que, para susto, esta amostragem da festança rija já nos chega! Dinheiro não falta. É só escrever um decreto. Com boa vontade nem isso é preciso. É folhear o livro das leis, e lá está, uma lei de há setenta ou oitenta anos atrás, que ainda serve muito bem. Mas se, em última instância, não se conseguir cheta para os confeitos, as bombinhas de mau cheiro, as bisnagas, as caraças e os “Zés Ninguém,” não temos crise, que o Povo é sereno! Umas horas de trabalho não remunerado resolvem o caso à ”fartazana,” (perdoem o termo erudito, proveniente do meu sétimo ano de praia). Pois, já me esquecia. Falta falar do nosso símbolo, a caravela quinhentista. É que, com os nossos ricos a darem de “frosques,” Portugal vai de vela!
José Solá

Sobre jsola02

quando me disseram que tinha de escrever uma apresentação, logo falar sobre mim, a coisa ficou feia. Falar sobre mim para dizer o quê? Que gosto de escrever, (dá-me paz, fico mais gente), que escrever é como respirar, comer ou dormir, é sinal que estou vivo e desperto? Mas a quem pode interessar saber coisas sobre um ilustre desconhecido? Qual é o interesse de conhecer uma vida igual a tantas outras, de um individuo, filho de uma família paupérrima, que nasceu para escrever, que aos catorze anos procurou um editor, que depois, muito mais tarde, publicou contos nos jornais diários da capital, entrevistas e pequenos artigos, que passou por todo o tipo de trabalho, como operário, como chefe de departamento técnico, e que, reformado, para continuar útil e activo, aos setenta anos recomeçou a escrever como se exercesse uma nova profissão. Parece-me que é pouco relevante. Mas, como escrever é exercer uma profissão tão útil como qualquer outra, desde que seja exercida com a honestidade de se dizer aquilo que se pensa, (penso que não há trabalhos superiores ou trabalhos inferiores, todos contribuem para o progresso e o bem estar do mundo), vou aceitar o desafio de me expor. Ficarei feliz se conseguir contribuir para que as pessoas pensem mais; ficarei feliz se me disserem o que pensam do que escrevo… José Solá
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