Egito Gonçalves (Matosinhos, Portugal, 1920- Porto, Portugal, 2001).
Foi poeta, editor, tradutor e activista político.
Como poeta, a sua obra insere-se entre as duas tendências que se afirmaram nas décadas de 40 e 50: o neorrealismo e o surrealismo
Foi um dos fundadores do TEP – Teatro Experimental do Porto.
Palavras de Egito Gonçalves:
“Sou um lírico. Os meus poemas de combate são sempre poemas de amor, porque, vendo bem, em qualquer combate o amor é sempre a chama que nos alimenta.”
Com Palavras
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras – inaudíveis – grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar…
Egito Gonçalves, in “Antologia Poética”