Reflexões
TEXTO DO ROMANCE: “A MENINA DOS OLHOS TRISTES”
(EM REVISÃO)
(…)
Josefa não se sente bem; sente-se como se estivesse a tentar impor-se num meio que lhe é, por natureza, adverso, um meio onde não pertence e onde se imiscuiu de maneira um tanto, – se não totalmente – leviana. É como se desse voltas e voltas ao destino para o enredar sobre si próprio, com o intuito de o fazer perder o norte, ou qualquer coisa assim do género; forcei a intimidade desta gente, – pensa – ainda que pertença aqui, o meu papel foi sempre mais o de espectadora, e pouco ou mesmo nada o de interveniente. E conclui, acabrunhada pela aparente fragilidade da sua natureza feminina, o mar é, em exclusividade, para os homens; sempre foi. Aqui, as mulheres não são uma ferramenta útil, nem sequer um mero adorno para enfeitar a vida. Mas, porquê? Essa a pergunta perdida nos tempos. Porquê? Por esse mundo estuporado fora a mulher avança, na certeza de que, na vida, não se limita apenas ao papel de receptáculo da continuação da espécie; a mulher não é mais um mero e insignificante adorno. A mulher conquista-se a si própria e cresce, cresce, e não é mais ou apenas o vaso onde o homem germina e fermenta a vaidade de se continuar; a humanidade completa-se com a emancipação do ser feminino, aparentemente frágil, gracioso e subtil, aparentemente carente e dependente, a eterna sombra que, milhares de anos antes, se deixou apequenar por um outro lado na aparência, mais poderoso e forte, com um lado protector que a cativou e, em consequência, a dominou.
Uma simples questão se sensibilidade, – pensa, – ou a vaga incerteza de que as coisas entre os sexos mudaram na realidade, – conclui, a caminho da cabine num andar desajeitado ao ritmo de um balanço esquecido pelos anos. – Temos mulheres presidentes, ministras, empresárias, cientistas, astronautas, revolucionárias, ou mulheres ainda acomodadas a um puder instituído pelos bons costumes e ancestrais tradições; mulheres donas de casa por inferioridade intelectual, ou medo de crescer e ser gente, a par de mulheres que comandam navios de todo o tipo, ou dirigem sofisticados aviões; mulheres militares. Somos iguais não em género, mas sim em inteligência, em sensibilidade; todavia, o mundo não melhora, não avança e, se o faz, é a passo de caracol! – A comparação arrancou-lhe um sorriso. – Afinal a sensibilidade feminina, quando colocada ao comando dos destinos do mundo, não é o bastante para inverter a sua marcha para a ruína; não será, portanto, uma mera e apenas aparente razão de diferenças de sensibilidade entre os sexos. Os males do mundo são muito mais amplos, muito mais complexos; a evolução faz-se de avanços e recuos, sem uma uniformidade pelo todo que é o planeta. Afinal é somente uma razão genética que motiva os diversos graus de barbárie que, – com disfarces uns mais eficazes que outros – emprestam as máscaras hipócritas que escondem a fealdade dos rostos que presidem, (ou julgam presidir), aos destinos das nações? O machismo que se baseia na ignorância de que o domínio do mais fraco se submete à força bruta dos músculos, persiste por toda a parte, mas dosagens diferentes variam de região para região, deste nosso planeta maravilha; foi erradicado esse mal numa parte ínfima do todo que é a terra; mas permanece bem latente na moral da esmagadora maioria da humanidade; assassinam-se mulheres na civilização imunda de países ufanos da sua história. Vivem na dependência económica dos homens que as utilizam e brutalizam como pertença pessoal, como objecto, como coisa, como capacho, como o que se queira chamar. O machismo é um clube impossível de destronar. Sobrevive nas leis, nas religiões, nas conveniências da imundice e da imoralidade dos prazeres doentios que fervilham nas mentes que se escondem por detrás de culturas e tradições; vem nas inverdades do divino que brotou da fantasia ditada pelo medo do desconhecido; “Com o barro da terra Deus fez o Homem à sua Imagem, e da costela do Homem fez a mulher para que este não se sentisse só,” foi assim que a Inteligência de Deus Fez e não ao contrário! – Raciocina Josefa enquanto se encaminha para a proa da fragata – nas mãos segura a toalha e os talheres – pois, nunca poderia ser ao contrário! – Conclui. – O homem, como a imoralidade bárbara de Deus… (…)
OS PORQUÊS
Porque o assassínio de mulheres e mães indefesas arrepia-me, entristece-me, enoja-me; porque, enquanto homem, (ainda que não brutalize ou humilhe um ser humano, e muito menos uma mulher), sinto-me como parte de um sexo onde muita gente é simplesmente insignificante e pequena. Não atribuo os ditos “crimes domésticos” à estupidez que resulta da ignorância que advém da falta de escolaridade. (MUITOS, SENÃO A MAIORIA DESTES CRIMINOSOS, SÃO GENTE DOS EXTRATOS MAIS ELEVADOS DA NOSSA DITA SOCIEDADE), banqueiros, doutores, (os da chamada mula russa); tristes e patéticos cobardes que se escondem atrás da hipocrisia dos sorrisos.
Mais do que os números das estatísticas, incomodam-me os números que se escondem; os suicídios, as vidas atormentadas que se perpetuam por toda uma existência, as crianças. Assassinam-se quarenta mas destroem-se, talvez centenas, ou mesmo milhares. É triste não puder fazer mais do que escrever, ainda por cima sem grande, (ou mesmo nenhuma) visibilidade. Sentiria satisfação se me fosse permitido envergar a pele de um carrasco executor…
Se me fosse pedido que indica-se dois símbolos que materializassem esta nossa sociedade, eu indicaria, da autoria do nosso grande Malhoa, o quadro intitulado os Bêbados, que também personifica a indecente realidade imposta neste País de cima para baixo, pelos muitos responsáveis políticos. E, (quanto ao segundo símbolo), a minha escolha recaía numa estrebaria; Inicialmente talvez que me inclina-se para um animal, um porco, por exemplo, mas, por respeito pela inteligência que caracteriza esses animais, julgo que a estrebaria contem em si mesma todos os requisitos para, (com a objectividade necessária), identificar esta nossa terra. A estrebaria acoita bestas, alimárias de todos os tamanhos e feitios, credos e extractos sociais; bestas pobres, remediadas e ricas. As pobres e as remediadas chafurdam cá atrás, longe da manjedoura; as ricas, as que dispõem de acesso rápido ao veterinário, que aprendem a escoicearem com estilo e elegância, (entenda-se instrução), são as que directamente acedem às manjedouras e, em consequência, aos fardos da melhor palha…
José Solá
Reflexões
TEXTO DO ROMANCE: “A MENINA DOS OLHOS TRISTES”
(EM REVISÃO)
(…)
Josefa não se sente bem; sente-se como se estivesse a tentar impor-se num meio que lhe é, por natureza, adverso, um meio onde não pertence e onde se imiscuiu de maneira um tanto, – se não totalmente – leviana. É como se desse voltas e voltas ao destino para o enredar sobre si próprio, com o intuito de o fazer perder o norte, ou qualquer coisa assim do género; forcei a intimidade desta gente, – pensa – ainda que pertença aqui, o meu papel foi sempre mais o de espectadora, e pouco ou mesmo nada o de interveniente. E conclui, acabrunhada pela aparente fragilidade da sua natureza feminina, o mar é, em exclusividade, para os homens; sempre foi. Aqui, as mulheres não são uma ferramenta útil, nem sequer um mero adorno para enfeitar a vida. Mas, porquê? Essa a pergunta perdida nos tempos. Porquê? Por esse mundo estuporado fora a mulher avança, na certeza de que, na vida, não se limita apenas ao papel de receptáculo da continuação da espécie; a mulher não é mais um mero e insignificante adorno. A mulher conquista-se a si própria e cresce, cresce, e não é mais ou apenas o vaso onde o homem germina e fermenta a vaidade de se continuar; a humanidade completa-se com a emancipação do ser feminino, aparentemente frágil, gracioso e subtil, aparentemente carente e dependente, a eterna sombra que, milhares de anos antes, se deixou apequenar por um outro lado na aparência, mais poderoso e forte, com um lado protector que a cativou e, em consequência, a dominou.
Uma simples questão se sensibilidade, – pensa, – ou a vaga incerteza de que as coisas entre os sexos mudaram na realidade, – conclui, a caminho da cabine num andar desajeitado ao ritmo de um balanço esquecido pelos anos. – Temos mulheres presidentes, ministras, empresárias, cientistas, astronautas, revolucionárias, ou mulheres ainda acomodadas a um puder instituído pelos bons costumes e ancestrais tradições; mulheres donas de casa por inferioridade intelectual, ou medo de crescer e ser gente, a par de mulheres que comandam navios de todo o tipo, ou dirigem sofisticados aviões; mulheres militares. Somos iguais não em género, mas sim em inteligência, em sensibilidade; todavia, o mundo não melhora, não avança e, se o faz, é a passo de caracol! – A comparação arrancou-lhe um sorriso. – Afinal a sensibilidade feminina, quando colocada ao comando dos destinos do mundo, não é o bastante para inverter a sua marcha para a ruína; não será, portanto, uma mera e apenas aparente razão de diferenças de sensibilidade entre os sexos. Os males do mundo são muito mais amplos, muito mais complexos; a evolução faz-se de avanços e recuos, sem uma uniformidade pelo todo que é o planeta. Afinal é somente uma razão genética que motiva os diversos graus de barbárie que, – com disfarces uns mais eficazes que outros – emprestam as máscaras hipócritas que escondem a fealdade dos rostos que presidem, (ou julgam presidir), aos destinos das nações? O machismo que se baseia na ignorância de que o domínio do mais fraco se submete à força bruta dos músculos, persiste por toda a parte, mas dosagens diferentes variam de região para região, deste nosso planeta maravilha; foi erradicado esse mal numa parte ínfima do todo que é a terra; mas permanece bem latente na moral da esmagadora maioria da humanidade; assassinam-se mulheres na civilização imunda de países ufanos da sua história. Vivem na dependência económica dos homens que as utilizam e brutalizam como pertença pessoal, como objecto, como coisa, como capacho, como o que se queira chamar. O machismo é um clube impossível de destronar. Sobrevive nas leis, nas religiões, nas conveniências da imundice e da imoralidade dos prazeres doentios que fervilham nas mentes que se escondem por detrás de culturas e tradições; vem nas inverdades do divino que brotou da fantasia ditada pelo medo do desconhecido; “Com o barro da terra Deus fez o Homem à sua Imagem, e da costela do Homem fez a mulher para que este não se sentisse só,” foi assim que a Inteligência de Deus Fez e não ao contrário! – Raciocina Josefa enquanto se encaminha para a proa da fragata – nas mãos segura a toalha e os talheres – pois, nunca poderia ser ao contrário! – Conclui. – O homem, como a imoralidade bárbara de Deus… (…)
OS PORQUÊS
Porque o assassínio de mulheres e mães indefesas arrepia-me, entristece-me, enoja-me; porque, enquanto homem, (ainda que não brutalize ou humilhe um ser humano, e muito menos uma mulher), sinto-me como parte de um sexo onde muita gente é simplesmente insignificante e pequena. Não atribuo os ditos “crimes domésticos” à estupidez que resulta da ignorância que advém da falta de escolaridade. (MUITOS, SENÃO A MAIORIA DESTES CRIMINOSOS, SÃO GENTE DOS EXTRATOS MAIS ELEVADOS DA NOSSA DITA SOCIEDADE), banqueiros, doutores, (os da chamada mula russa); tristes e patéticos cobardes que se escondem atrás da hipocrisia dos sorrisos.
Mais do que os números das estatísticas, incomodam-me os números que se escondem; os suicídios, as vidas atormentadas que se perpetuam por toda uma existência, as crianças. Assassinam-se quarenta mas destroem-se, talvez centenas, ou mesmo milhares. É triste não puder fazer mais do que escrever, ainda por cima sem grande, (ou mesmo nenhuma) visibilidade. Sentiria satisfação se me fosse permitido envergar a pele de um carrasco executor…
Se me fosse pedido que indica-se dois símbolos que materializassem esta nossa sociedade, eu indicaria, da autoria do nosso grande Malhoa, o quadro intitulado os Bêbados, que também personifica a indecente realidade imposta neste País de cima para baixo, pelos muitos responsáveis políticos. E, (quanto ao segundo símbolo), a minha escolha recaía numa estrebaria; Inicialmente talvez que me inclina-se para um animal, um porco, por exemplo, mas, por respeito pela inteligência que caracteriza esses animais, julgo que a estrebaria contem em si mesma todos os requisitos para, (com a objectividade necessária), identificar esta nossa terra. A estrebaria acoita bestas, alimárias de todos os tamanhos e feitios, credos e extractos sociais; bestas pobres, remediadas e ricas. As pobres e as remediadas chafurdam cá atrás, longe da manjedoura; as ricas, as que dispõem de acesso rápido ao veterinário, que aprendem a escoicearem com estilo e elegância, (entenda-se instrução), são as que directamente acedem às manjedouras e, em consequência, aos fardos da melhor palha…
José Solá