Globalização, Europa e… fantasia.
Eis aqui, quase cume da cabeça
de Europa toda, o reino lusitano
onde a terra se acaba e o mar começa
Parado, de olhar medroso, o Homem Sem Nome olha o topo das colinas onde ainda existe o desconhecido. Na sua esquerda as águas turbulentas de um rio largo, espartilhado entre praias que se situam nas margens planas, onde árvores dispersas se perdem na distância, a caminho das terras altas das colinas.
Na sua direita, um povoado, protegido por toscas cercas feitas de ramos entrelaçados, atados com tiras de peles de animais.
Dentro do cercado, habitações circulares feitas de materiais que abundam na natureza, pedras toscas sobrepostas, protegidas com coberturas de colmo; mulheres, crianças, animais de porte médio.
Na distância movem-se em bando animais pequenos, de caudas caídas e corpos cobertos de pelagem grossa e suja, olhos frios; são lobos que tacitamente se foram aliando aos homens; de um lado uns restos de comida, do outro, os uivos que alertam do perigo iminente. Uns quantos, (poucos) estão com os homens. São crias que perderam as progenitoras e foram amamentadas por mulheres que perderam os filhos. A mão da sábia natureza que é mãe de todos os seres das muitas espécies que criou.
Faz frio. O Homem Sem Nome aconchega-se nas peles que o protegem. Nada sabe de nomes de terras, de continentes. Muito menos de poetas e de Pátrias. E, se de nomes não entende, nem de continentes, nem de poetas e, muito menos de Pátrias, e se ele é o Homem, (o que ainda ignora), então é porque nada mais para além dele existe. Descobriu o conforto do fogo, saiu da protecção das cavernas, aprendeu a caçar, a construir casebres, descobriu que verte lágrimas quando sofre, mas ainda não sabe que sofre. Ama e não sabe. Apenas percebe que gosta dos seus. Age por instinto, mas, no seu eu que é como se alguém lhe intuísse de dentro coisas que não entende, vê-se pequeno, insignificante, com medo desse desconhecido que teme, e que vislumbra para lá das colinas, nesse além que fica fora do vale e do rio. No rudimento do seu intelecto em ascensão, sente que se predestina para avançar mais e mais, mas que nada, (ou pouco), fez.
Não é assim; sem que o perceba, a sobrevivência obrigou-o a vencer o medo e a descobrir o mundo. Ele e os seus congéneres já iniciaram a grande aventura da globalização do planeta.
As migrações, (ou por razões de clima, ou porque escasseia a caça, ou porque as lutas pela posse das terras expulsam e derrotam os mais fracos, (assim como hoje sucede), obrigam o homem a um esforço colectivo. Somos o que conseguirmos fazer em conjunto, e, como colectivo, somos a força do mundo, a mais poderosa depois da Natureza.
Então o Homem, pelo simples facto de existir, (vindo não se sabe de onde, pela mão de um Deus maior ou menor, ou pela evolução das espécies), descobriu pela necessidade dois factores de primordial importância para a Humanidade: Globalizou, (ou atirou-se de cabeça na vertigem do desconhecido, como queiram), e percebeu que o colectivo é mais importante do que o individual. Para vencer a turbulência do caudal de um rio damos as mãos; pode haver percas pontuais de vidas, mas a maioria salva-se. O individuo só por si raramente se salva…
O Homem Sem Nome perde-se na voragem dos milénios. Os seus descendentes continuam a missão de dar ao mundo cada vez soluções mais amplas.
E ali, no exacto sitio onde a terra acaba e o mar começa, quando o clima aqueceu e as florestas se renovaram sobre si mesmas, pelo aço da força de querer, pelo punho erguido de uma mão cheia de homens, pela força da vontade de ser livre, porque ter casa própria com o nome de Pátria é ser gente, por tudo isso, e porque a Alma que nos enche de vida é imensa, nasceu um País.
Nasceu de parto difícil. “Não deu a volta por completo.” Diria um médico. E, numa época onde nada se sabia de anestesias, o jovem robusto foi arrancado a “ferros” ao ventre sagrado da terra mãe.
Corria o ano de 1139; a nova Pátria, (depois da conquista possível), é um rectângulo com oitocentos quilómetros na sua maior extensão, e uma largura média, digamos, de uns escassos cento e setenta quilómetros, e só a partir da tarde do dia 14 de Agosto do ano de 1385, decorridos 246 anos, é que consegue espreguiçar-se ao Sol e sonhar, recostado no seu colchão de falésias, aninhar-se no conforto macio das areias das suas muitas praias a ver o mar e a pensar: “Que raio haverá por ali?”
É um País, digamos, pouco provável, face à sua localização geográfica; de um lado uma poderosa Castela a quem acabou de dizer, pela força das armas, “Nós somos uma força de vontade inquebrável,” do outro, um mar sem fim, fascinante e, em simultâneo, tenebroso.
A terra Lusa não evolui como os países cercados por outros. A terra Lusa não tem que competir. A terra Lusa mora numa península gigante que se limita do continente por altas e poderosas montanhas, e os dois países que coabitam nessa península, (Portugal e Espanha), cultivam salamaleques como devaneios de circunstância, enquanto sorrisos de falso amor lhes iluminam os olhos. “Temos que nos entender.” – Pensam, – no sossego do seu silêncio, enquanto olham a gigantesca e imponente molhe dos Pirenéus, e cogitam: “São as grilhetas que nos prendem.”
Como Saramago diz na Jangada de Pedra, “só soltos, à deriva nas águas do Oceano, nos vamos entender… “
E o dócil Portugal, ainda catraio, fez-se de peito às águas do Mar; um vádio errante que tomou o gosto das andanças por aqui e por ali. Conquistou, venceu em batalhas e foi vencido; fez amigos e inimigos.
Assim, coisa dita pelo alto, Portugal andou pelo Norte de África e, mais para o sul, pela Guiné, pelas ilhas de Cabo Verde, por Angola, Moçambique, Madagáscar e muito mais; desbravou as terras entre as fronteiras de Angola e as de Moçambique, (o tão falado mapa cor de rosa), que nos levou à prática do regicídio, visitou as terras do preste João, China, Japão, Índia, de onde os nossos missionários terão dado um salto até ao Tibete. Um português, Fernão de Magalhães, circum-navegou o globo ao serviço de Castela; e outro, a partir dos ensinamentos dos seus mestres açorianos na arte de marear, encontrou a América do Norte.
Pelas recentes descobertas feitas na Austrália, também por lá andámos a ver as vistas, e o Canadá, a Gronelândia, pouco apetecível por falta de convenientes agasalhos.
E o Brasil! Esta minha cabeça, essa jóia rara a que, na nossa eterna mania de sonhar, chamámos Terras de Vera Cruz; nos céus brasileiros se cruzaram flechas índias com flechas nossas, entrecruzadas, sobrepostas.
E ombro com ombro, os rapazolas das naus, esses nossos mariolas, e os morenos e musculados Índios, afinados nas forças, ergueram ao alto a gigantesca cruz onde se consubstanciava a (na época), marca de todo o Ocidente…
Existe no mundo lugar onde um português não tenha botado faladora, dito as suas sentenças, e confraternizado com novos amigos? Sinceramente, penso que não! Somos apenas uns escassos dez milhões na nossa terra saloia, mas somos a sesta língua mais falada no mundo!
Mas hoje, minha gente, nestes tempos de grandes saberes, pelo esclarecimento de uma Ciência infalível, feita na medida suficiente para salvar o mundo, nós, os Gregos e os Troianos, (como é uso dizer-se), os espanhóis, os italianos, os franceses e, (porque não dize-lo), toda a Civilização Latina, Uns já, (é o nosso caso e o dos gregos), outros para breve, (segundas núpcias ainda ao lume), somos, LIXO! É isso, meus caros: LIXO!
É evidente que, para tamanho desaforo, a sapiente intelectualidade vinda da Civilização, tem utilizado alguns recatados Condes Andeiros, que, (como sucedeu em 1640), se arriscam a saltar pelas janelas para as mãos da populaça, ainda que se escondam debaixo das camas ou dentro dos armários.
Mas, e por mera curiosidade, ainda que um pouco mórbida, eu interrogo-me: “Lixo, mas de que tipo?” É que, como é do conhecimento universal, existem vários e diversos tipos de lixo: biodegradável, (o orgânico, ao que julgo, pois sou pouco entendido na matéria), também utilizável nas manifestações organizadas pelos sindicatos, e o outro, o inorgânico (não manipulável pelos perigosíssimos sindicatos), que de igual modo também circula por manifestações mas por sua própria conta e risco; e, nesta segunda hipótese, é evidente que, sendo lixo, nos podem (quando assim o entenderem), reciclar, o que, (a meu ver), é estupendo, porque mais tarde voltaremos a ver a luz do Sol, talvez na forma de pneu para automóvel…
Hoje estou agradecido ao meu intelecto, pois me sinto mais confortado. Afinal, quando o Governo da Nação gasta trinta e quatro mil milhões com os especialistas em tipos e qualidades de lixo, que dão pelo nome de Troika, o faz, só e apenas, porque pensa no nosso bem-estar!
José Solá