Portugal, Alemanha, e um nadinha de História

No dia 11, sábado passado, ia eu metido na manifestação, ali por meio da rua do Ouro, quando me veio à cabeça o insólito argumento de um tal senhor ministro (ou lá o que o homem seja) alemão, sobre a nossa falta de europeísmo, demonstrada com a venda da cota que o Estado tinha na EDP, à China. Insólito, chamo-lhe eu, para não dizer ingerência nos assuntos internos de um Estado Soberano.
Depois pensei, “Zé, não te precipites como de costume. Não ponhas o coração assim, em três tempos, ao pé da boca,” e enquanto a rapaziada de trás me pisava os calos para me fazerem andar mais depressa, fui tentando encontrar uma explicação aceitável para o dito do senhor. Sinceramente, só quando pensei na História é que o meu azimute me mostrou um rumo. Isso, a razão é uma razão de confiança, e de mútuo respeito.
Quando, quinhentos anos atrás, nós firmámos um contrato com a China e o cumprimos a contento de ambas as partes, estabeleceu-se a confiança, e nós recebemos um justo preço pala qualidade dos serviços que prestámos. Nunca abusamos da confiança que em nós foi depositada. Nunca impusemos, pela força dos nossos canhões, (como outros o fizeram), o consumo de estupefacientes, (como o ópio), ao povo chinês, e, durante quinhentos e bons anos, até hoje, de ambos os lados, fomos gente civilizada e de paz.
Isto, nesta vida, cada qual joga com as armas que tem. E porque não dizer também, com as armas com que a História o premiou. Nós tivemos estas armas, as da decência e da honestidade, e os outros, têm sem duvida outras, ou também terão estas, pois, como Povo, não queremos só o bem para o nosso lado.
Mas agora eu penso: “ E então um Povo que tem, como mostruário da sua seriedade, uma mala cheia de horrores para presentear o Mundo?”
Fico perplexo. Entre o pára e anda da manifestação, plena de civismo, com que nos estamos hoje a mostrar ao mundo, e em especial a esse acima referido senhor alemão, que esperaria berreiros e pancadaria, pilhagens e incêndios, o que sem duvida o deixaria felicíssimo, e com argumentos vexatórios e demonstrativos da proverbial selvajaria dos povos do sul, vou pensando, que terá um Povo com duas guerras mundiais a pesarem-lhe nos ombros, com milhões e milhões de mortos na consciência, um Povo que se considera como Raça Superior, um Povo que fez experimentação médica em crianças vivas, (claro, de outra “raça,” já se vê), para aferir da sua excelência cientifica, mais de diferente para dar ao mundo, senão mais do mesmo? Eu vejo sim, isso vejo, uns pobres coitados que mais uma vez vão sofrer com a sua soberba, com o seu pecado da superioridade. Na verdade, e pelo menos para nós, portugueses, superioridade é sim uma coisa bem diferente, uma coisa verdadeiramente humana, que dá calor e bem-estar, que nos trás amigos de longa data, e não as cinzas das ruínas das cidades bombardeadas, o fumo nauseabundo dos fornos crematórios onde se sacrificam pessoas pela única e simples razão de terem outra cor, outra religião, de serem diferentes.
Finalmente o Terreiro do Paço, hoje, (afinal tal como ontem), o Terreiro do Povo. Por ali temos um pouco de tudo, numa de crítica saudável à mistura com um dedo de política.
Logo no inicio, se ensina às senhoras receitas de boa culinária. Prato do dia: Coelho à Caçador. É fácil de aprender, (dizem as alunas e os alunos), e mais fácil será de fazer, quando chegar o devido tempo.
Adiante, mais acolá, no centro a envolver a estátua equestre do rei, um mar de gente coalhado por cabelos brancos, os cabelos das mulheres e homens que construíram com as mãos calejadas um País, que depois o ergueram do chão, e que estão aqui, espoliados dos seus direitos, da sua dignidade, prontos para o erguerem de novo, e quantas e quantas vezes mais for necessário. É que somos um Povo teimoso. Temos a mania de querer ter Pátria e pertencer a uma Europa de pátrias, e nos recusamos terminantemente a obedecer a racistas, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Está um tempo frio. Sinto-me gelado. Não estou bem. Quando uma leve brisa passa, os cabelos brancos se agitam como espuma de mar, e por entre esse movimento vejo a nossa gente nova que teima em ficar. Por muito que tentem não os conseguem expulsar de todo. Eles ficam, para receberem esta terra (ainda que desfeita) como a pequena grande herança que é deles por direito.
Agora é tempo de dispersar, de forma ordeira, como sempre.
Dois dias que estão passados, enquanto me distraio, entre comprimidos para vencer o resfriado, de novo me espantam com a insanidade com que a nova Adolfa alemã fala da nossa Madeira. Paro por momentos de escrevinhar esta história. É que só quem não conhece aquela jóia que é a nossa ilha de Porto Santo, é que não a ama, e por isso dirá assim, tamanha asneira. Se a Grande Governante dos Extintos Fornos Crematórios viaja-se um pouco para aqueles lados, pela certa que se renderia a tamanha beleza. Ficava fascinada, embora a visse apenas com os seus tristes olhos de mal querer ao mundo. Só aquela praia, onde ela se imaginaria deleitada com as lambidelas do seu querido caniche francês. Que esplêndido campo de concentração o povo de raça superior não edificaria na ilha, para grandeza de um Reich renascido das cinzas do mal…
José Solá

Sobre jsola02

quando me disseram que tinha de escrever uma apresentação, logo falar sobre mim, a coisa ficou feia. Falar sobre mim para dizer o quê? Que gosto de escrever, (dá-me paz, fico mais gente), que escrever é como respirar, comer ou dormir, é sinal que estou vivo e desperto? Mas a quem pode interessar saber coisas sobre um ilustre desconhecido? Qual é o interesse de conhecer uma vida igual a tantas outras, de um individuo, filho de uma família paupérrima, que nasceu para escrever, que aos catorze anos procurou um editor, que depois, muito mais tarde, publicou contos nos jornais diários da capital, entrevistas e pequenos artigos, que passou por todo o tipo de trabalho, como operário, como chefe de departamento técnico, e que, reformado, para continuar útil e activo, aos setenta anos recomeçou a escrever como se exercesse uma nova profissão. Parece-me que é pouco relevante. Mas, como escrever é exercer uma profissão tão útil como qualquer outra, desde que seja exercida com a honestidade de se dizer aquilo que se pensa, (penso que não há trabalhos superiores ou trabalhos inferiores, todos contribuem para o progresso e o bem estar do mundo), vou aceitar o desafio de me expor. Ficarei feliz se conseguir contribuir para que as pessoas pensem mais; ficarei feliz se me disserem o que pensam do que escrevo… José Solá
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