Maria acorda tarde. Levanta-se e procura a enfermeira Celeste. Dizem-lhe que não vem trabalhar porque é o seu dia de folga. Fica apavorada. Hoje é o seu penúltimo dia no Hospital. Sente-se desprotegida. Não tem ninguém que lhe garanta que a promessa da enfermeira Celeste será para cumprir. Junto à janela da enfermaria, observa a vida que acontece para lá do vidro. Olha para a suavidade das folhas que abanam levemente, embaladas pela brisa que não consegue sentir. E as flores espalhadas pelos canteiros. Como desejaria poder tocar-lhes com a liberdade dos seus cinco sentidos. Sentir o seu cheiro, a sua textura, admirar a sua forma. Como gostaria de poder falar-lhes. Os seus olhos percorrem a sombra de cada movimento. E é aí que observa uma freira do Orfanato que olha em frente, de cabeça erguida, de aspecto arrogante, enquanto pisa um chão que parece pertencer-lhe. Entra no Hospital e desaparece.
Maria sente as pernas tremerem. Os olhos são invadidos por lágrimas que parecem acumular-se abruptamente. Sente a pele humedecida pelas gotas que rasgam a sua face. Espera ouvir os passos que tão bem conhece. Estes parecem ecoar na sua mente, como um relógio cujo tic-tac não cessa. Quer eliminar este som enervante que repica na sua imaginação, mas não consegue. Lamenta a infelicidade de ter que voltar para o Orfanato e sente uma revolta íntima de não poder acreditar em ninguém. Nem mesmo na enfermeira Celeste, que começava a conquistar a sua confiança. Como é difícil aceitar mais uma traição! Vai repetir-se a cena vivida com a Filomena. Espera ouvir chamar pelo seu nome e seguir mais uma vez, levada pela freira, para o local que parece não desaparecer da sua vida. Aguarda, junto à janela, ansiosa. Olha para o exterior novamente. Sente nos olhos um ardor que parece dever-se à fusão da intensidade da luz com a sua dor. As pessoas entram e saem do hospital livremente. Inveja a liberdade que pensa não conseguir ainda alcançar. E, no meio daquela pequena multidão, vê sair a freira que entrara momentos antes. Maria está boquiaberta. A freira saiu e o seu nome não foi chamado! Uma enorme sensação de alívio começa a percorrer o seu corpo. Sente uma paz que goza obsessivamente, pois tem medo de perdê-la. Agarra-a com a sua cabeça, com o seu tronco, com os seus dedos. E a culpa? A enfermeira Celeste não a enganou? Sente novamente o constrangimento de não ter acreditado nela. Está confusa. As pessoas parecem vestir máscaras que a perturbam.
(Continua)
José Eduardo Taveira