Dionísio Tespis ignora a sua idade cronológica. É uma falsa controvérsia sobre a caracterização do seu “modus operandi”.
Mantém há décadas a mesma qualidade de vida, essa sim, determinante para a celebração diária da sua idade biológica.
Vive numa velha mansão herdada, com a sua companheira de sempre. Mantêm um amor recíproco indestrutível.
Movimenta-se entre milhares de livros desde os dramaturgos gregos até aos contemporâneos. O seu grande tesouro, sempre presente, em qualquer momento, é o livro que lê de forma arrebatada. (…)
(…) Cada personagem que um autor cria com a sua imaginação, ele recria-a, gozando o prazer de desmontar clichés, construindo, ou melhor, reconstruindo a sua nova personagem renascida, servindo os dois criadores com a mesma dedicação. (…)
Há momentos em que Dionísio se desgosta com a personagem que recriou. Quer libertar-se dela, mas atormenta-o pensar que é uma injustiça. Cada um é como é. Todas as personagens têm o direito de serem representadas tal como são, tal como o seu autor quis que elas fossem. Quem as vê, pensará o que entender. Muitas vezes o contrário da realidade. Por desconhecimento ou porque incomoda a retratação cruel espelhada nas folhas de um livro ou em cima de umas tábuas de um palco. (…)
Na sua velha mansão Dionísio Tespis prepara as suas representações lendo em voz alta todo o texto, interpretando todas as personagens, como se todas ou nenhuma fosse a sua. Olha à sua volta e os milhares de livros transformam-se em plateia imaginária onde Dionísio se movimenta como se fosse real. Emociona-se, ri, chora ou pragueja a maldição dos Deuses que disseminam o terror, a morte, o sofrimento, as catástrofes. Dionísio Tespis é então alguém diferente de si, que muitos pensarão ser ele próprio. (…)
JOSÉ EDUARDO TAVEIRA