MIGUEL TORGA – Aos poetas

MIGUEL TORGA

MIGUEL TORGA

(São Martinho de Anta, Portugal, 1907 – Coimbra, 1995)

Poeta e escritor

***

Aos Poetas

Somos nós

As humanas cigarras.

Nós,

Desde o tempo de Esopo conhecidos…

Nós,

Preguiçosos insectos perseguidos.

 

Somos nós os ridículos comparsas

Da fábula burguesa da formiga.

Nós, a tribo faminta de ciganos

Que se abriga

Ao luar.

Nós, que nunca passamos,

A passar…

 

Somos nós, e só nós podemos ter

Asas sonoras.

Asas que em certas horas

Palpitam.

 

Asas que morrem, mas que ressuscitam

Da sepultura.

E que da planura

Da seara

Erguem a um campo de maior altura

 

A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto

A taça fraternal deste meu canto,

E bebo em vossa honra o doce vinho

Da amizade e da paz.

Vinho que não é meu,

Mas sim do mosto que a beleza traz.

 

E vos digo e conjuro que canteis.

Que sejais menestréis

Duma gesta de amor universal.

Duma epopeia que não tenha reis,

Mas homens de tamanho natural.

 

Homens de toda a terra sem fronteiras.

De todos os feitios e maneiras,

Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.

Crias de Adão e Eva verdadeiras.

Homens da torre de Babel.

 

Homens do dia-a-dia

Que levantem paredes de ilusão.

Homens de pés no chão,

Que se calcem de sonho e de poesia

Pela graça infantil da vossa mão.

 

 

in “Odes”

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