É como adultos, e mais responsáveis, que começamos a compreender que as sucessões dos planos naturais e sociais se tornam numa manifestação natural de revelações que nos parecem sempre semelhantes, mas que devemos assimilar nas nossas acções quotidianas por linguagens e gestos de total cumplicidade. Sinto que estas relações naturais vão ganhando uma aceitação e entrega à medida que vamos envelhecendo, à medida que vamos sentindo que afinal somos elementos do Universo e que conforme melhor com ele vamos combinando vamos sendo mais felizes e brilhando muito mais. Creio que é da nossa natureza esta atitude e acredito que está na nossa substância estas qualidades de sermos integrados no universo dos vários elementos pela extensão das nossas capacidades. De sermos integrados noutras formas e noutros planos, mas com a acção das nossas resistências e mudanças.
À medida que nos vamos ligando mais ao mundo e às suas partes, vamos contrariando a nossa estabilidade emocional e desejando mais a nossa emocionalidade. Será, certamente, por esta razão que começamos muito cedo a rejeitar o mundo e a sua ordem, não fomos nós que a fizemos e pensamos que os que nos antecederam não tiveram a inteligência e o juízo suficientes para fazer um mundo melhor. Limitamo-nos a um idealismo emocional, despertando muitas vezes para exaltações e acontecimentos que nos parecem únicos, que nos parecem encaminhar para a realização plena e nos dar tudo o que precisamos. Os jovens adolescentes são a expressão temporal humana que melhor traduz esta forma de comportamento, esta forma de resistência que levanta maiores complicações nos domínios da ordem humana-social.
É da nossa natureza o sentimento e a emoção, são elementos básicos do nosso humanismo e os elementos principais para a iniciação do nosso romantismo corporal. Resistimos, de um modo geral, durante a nossa vida a tudo o que é dureza e convicção forçada, mas na adolescência esta resistência por vontade de criar e mudar tem uma especificidade mais determinada. Pois se o princípio do prazer está agora mais nítido e traz-nos alguma vergonha quando praticado fora dos seus limites, o princípio da responsabilidade não é ainda integrado sem uma resistência, por vezes radical, e o modo que encontramos para a exercer manifesta-se pela prática do prazer e do gozo que a aventura e a rejeição causam no seu exagero.
A adolescência traz consigo a emoção do tempo de viver e pensar no que mais agrada e do que é mais útil para nós e nos faz participar por envolvimento. Normalmente, procuram-se os acontecimentos que nos dão mais partilha de prazer do que de responsabilidade, acontecimentos que nos fazem esquecer do horário e da distância, esquecer com quem se está e onde, com quem se vai e com quem se vive. O mais importante para nós somos nós próprios — os outros têm que nos compreender e nos aceitar como somos e com a liberdade que queremos. A moral da autonomia baseada num sujeito legislador e obediente, a liberdade de viver com os outros e para os outros, ainda estão bem longe deste tempo de crescimento. O homem faz-se na vida, mas esta vai tendo a forma temporal vivida e as experiências adquiridas, que são, como se pode compreender, conforme as necessidades que cada um vai tendo. A exigência a si próprio só a determinamos num sentido de imitação e compromisso com o grupo, não necessariamente, com um plano cujas partes ainda não são necessárias no projecto em construção e muito menos na sua materialização.
Nesta altura não sentimos necessidade de mudança nos ajustamentos e adaptações e fazemo-lo, com alguma contrariedade, se não for para o que nos diz estritamente respeito. O mundo tem de ajustar-se a nós e não o contrário; não temos de ser elementos de planos de projectos passados e se os mais velhos não concordam é porque não evoluíram o suficiente e são demasiado exigentes. Tenho consciência que estou a ser um pouco radical na análise observada, mas os pormenores é que podem variar um pouco, o resto tem uma forma temporalmente definida que se repete em todas as gerações. Eis porque acredito que seja da nossa natureza ou até, quem sabe, de toda a natureza a tendência para resistir, que no homem, em meu entender, ganha a força de domínio e torna-se numa raiz da emergência cultural humanamente necessária. O problema surge nesta totalidade temporal e genética que terá que ser sempre bem acompanhada, para que o homem se faça no tempo de cada uma das suas fases de crescimento com equilíbrio em todas as dimensões. Não pode a tendência a resistir perder-se do sentido natural da mudança nem as transformações vitais ocorrerem por ruptura com a capacidade humana.
Resistir até ao ponto crítico, até ao ponto em que não podemos mais ser o centro único do amor e para o qual tudo terá de convergir, não será despropositado se estivermos a crescer e ainda não formos maiores nem necessariamente obrigados. Mas, logo que a idade e a responsabilidade tenham suporte natural do fazer da vida, não devemos encaminhar-nos para o resistir, como negação da ordem natural e social; antes pelo contrário, devemos solidarizar‑nos com ambos e assumirmos a nossa parte no processo. Nada se mudará para nós se não nos mudarmos também, a proporção é individual mas a força da convicção com que o fazemos é elementar para nos desenvolvermos num mundo que é real. A maioridade, quando bem estruturada na sua origem e ordenada pela educação na base do dever e do respeito, trará ao homem a compreensão de que a liberdade não é um sonho, mas esta compreende todos e nós somos apenas um elemento que tem uma função na sua linha. A maioridade trará ao homem a compreensão mais natural destas realidades, pois até o dia e a noite em tangência têm de se superar para darem lugar a cada uma das suas composições. E o homem tem de se superar no centro para se elevar até a um outro onde passará a ser elementar, mas já não sujeito único.
É bom recordar (e é com esta preocupação que escrevo estes pensamentos) que aprendi pelas experiências diversas que a expressão da vida não tem uma forma definida e acabada em cada uma das nossas épocas ou fases, pois esta desenvolve e rege-se por princípios e leis que são constantes e permanentes e, por isso, são naturais. Estes princípios e leis são as bases reguladoras necessárias e convenientes à vida de todas as gerações, e eu só vejo uma maneira simples de deles falarmos para que todos mais ou menos percebam a sua importância, e essa maneira é recordá-los pelos sentimentos vividos e expandi-los às emoções de cada um. É mais fácil perpetuar estes pensamentos pela comunhão geral de vivências e plantá-los nas emoções mais jovens, para que as formas das expressões da sua vida venham a ter conteúdos diferentes, como será lógico e natural, mas não sentidos nem ordens nem dimensões diferentes dos desígnios que a vida humana sempre deverá ter em todas as gerações.
Tenho ainda muito vincadas as preocupações dos que me ensinaram a descobrir o caminho da vida autêntica, foram breves sentenças morais que se tornaram à medida que ia crescendo em sinais de aviso de que nada aconteceria sem que a nossa sensibilidade fosse subtilmente perturbada. Esses sinais foram as fontes de expectativas e os pensamentos reveladores de uma ordem que era preciso descobrir nem que fosse à custa de aventuras que deixassem algum desespero na alma e remoques de desânimo no mal sucedido. Ninguém me pôde avisar dos meus sonhos nem me dizer como caminhar para os encontrar, mas todos me falaram de algo que era a sua própria razão e se tornava na sua própria força. Todos me contaram as suas maiores realizações e me falaram em forma de exemplo elevado; acontecimentos da sua vida e sentenças moralmente profundas, formas de um bom encontro para sempre.
Macedo Teixeira
Páginas 29 a 35