CARTA de JOSÉ CARDOSO PIRES ao Director dos Serviços de Censura

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José Cardoso Pires (São João do Peso, Castelo Branco, Portugal, 1925 – Lisboa, Portugal, 1998).

Foi o autor do livro Histórias de Amor apreendido pela Censura Portuguesa em 1952.

É considerado um dos mais importantes escritores portugueses contemporâneos.

 

Excerto da carta de José Cardoso Pires ao Director dos Serviços de Censura:

Por ordem de V. Exa. foi o meu livro HISTÓRIAS DE AMOR proibido de circular. Por ordem, ao que creio, do Ministério do Interior e em complemento da decisão de V. Exa. sobre a citação da obra, foi encarregada da apreensão a PIDE.

A intervenção inesperada desta Polícia Especial num assunto de índole exclusivamente literária é de todo o ponto injustificada e veio dar à questão um significado que lhe é totalmente alheio, podendo, em síntese, definir-se como atitude abusiva de direito policial.

Em verdade, não vejo eu – nem a Censura, ao que parece – que em HISTÓRIAS DE AMOR se atente por qualquer forma contra a segurança do Estado. Tão-pouco me parece motivo de polícia a atitude de um escritor português que se debruça sobre aspectos reais e concretos da realidade portuguesa, condenando, por exemplo, o adultério (Week-end), a vadiagem de pior extracção (Ritual dos Pequenos Vampiros), o amor clandestino (Rapariga dos Fósforos), etc. – aspectos da realidade quotidiana que qualquer moral consequente ataca. Muito pelo contrário, entendo que tal atitude é meritória e vem em abono dos mais elementares princípios morais. Nunca, seja em que caso for, ela seria objecto de Polícia e muito menos de Polícia Especial.

Não é meu propósito fixar-me aqui em considerandos que com justiça viessem sublinhar a ilógica intromissão da PIDE no caso. Permito-me apenas trazer ao conhecimento de V. Exa. este meu necessário protesto, certo de que, como Director de um organismo destinado expressamente a tratar de direito de assuntos literários, não deixará de lhe dar a merecida atenção. Isto porque cuido que os Serviços de Censura, sob a Direcção de V. Exa., não são de modo algum instrumento activo de política sectária mas um «meio de harmonizar o trabalho dos escritores com a lei e os superiores interesses da Nação».

José Cardoso Pires, in “Histórias de Amor”

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