AL BERTO – Mais Nada se Move em Cima do Papel

AL BERTO  -MAIS NADA SE MOVE EM CIMA

Al Berto (Coimbra, Portugal, 1948 – Lisboa, Portugal, 1997)

Palavras de Al Berto:
“A eternidade não é lerem-me dentro de 50 ou 60 anos ou ficar na história da literatura portuguesa. Só espero que meia dúzia de doidos me leiam agora e isso os toque.”

Mais Nada se Move em Cima do Papel

mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo

os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior desta ânfora alucinada

desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem

o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão

assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração

Al Berto, in “O Medo”

Esta entrada foi publicada em Sem categoria. ligação permanente.

2 respostas a AL BERTO – Mais Nada se Move em Cima do Papel

  1. “O Medo”, de Al Berto, acaba por ser o expoente máximo da carreira literária do autor. Uma referência na poesia e uma obra de leitura obrigatória. Este poema é fantástico, como todos eles. Obrigado pela partilha! Um abraço!

    Gostar

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.