No dia vinte e cinco de Abril, ao final da manhã, sentei-me ao computador e reflecti sobre discursos e entrevistas; em particular, as reflexões feitas por alguns dos vultos mais importantes deste País, os – ex presidentes, – quanto à falta do doutor Mário Soares e do doutor Manuel Allegre, personalidades históricas que são, (a meu ver) indissociáveis da nossa Democracia, a quem eu, a partir deste modesto escrito, saúdo pela coragem e pela lucidez, ao romperem com estas grilhetas que nos tentam impor.
Ao doutor Jorge Sampaio, eu atrevo-me a dizer que o seu conceito de liberdade e de escolha, enferma de uma falha; é que, sempre que a fome e a miséria nos batem à porta com tanta insistência que acabam por entrar, a liberdade e a livre escolha, saíem. É que não são compatíveis. Experimente Vossa Excelência, senhor doutor, a fechar um humano numa jaula, e a negar-lhe alimento, pelo tempo suficiente para o levar a pensar que, o que se pretende é matá-lo à fome; solte-o, mas antes ponha dois homens no exterior, um sisudo, com um pedaço de pão bolorento numa das mãos, e na outra, um cacete, o outro, com um prato vazio, e um sorriso no rosto, de braços abertos para o receber. Se o coitado estiver no limite, para quem pensa Vossa Excelência que ele caminha?
O Portugal de hoje é terra de fome e de miséria, onde os velhos morrem por falta de medicamentos e os jovens definham na incerteza do amanhã; A Pátria é chão ocupado, onde não existem respostas para os problemas das pessoas; e neste chão, (que devia de ser sagrado para todos nós), são bem-vindos todos os que, com coragem, se desamarram e fogem dos velhos ventos que nos chegam da História passada.
Foi um choque no momento em que vi, entrando no hemiciclo, o cortejo do Grande Inútil, abrilhantado por tantas figuras de teatro, senão de opereta, revestido de solenidade, a caminho dos lugares de destaque; neste País com tanta miséria e tamanha decadência, meus senhores, um pouco de recato e de decência seria oportuno, vinha a calhar.
Mas vamos, sem mais delongas, à denúncia que pretendo fazer. Sabem que circula por aí, pelo seio das empresas público – privadas, na sua vertente privada, um novo conceito, uma nova forma para contratar com absoluta segurança, os poucos empregados que vão admitindo? É que não lhes basta a segurança que advêm das alterações às leis do trabalho; cautela e caldos de galinha são a segurança do doente, neste caso entenda-se, contra os vírus parasitários que os novos empregados, (ainda que escolhidos e analisados à lupa), de entre um vastíssimo leque de tristes desempregados, possam transportar para o sagrado seio empresarial; uma folha de papel em branco, assinada, ou seja, o princípio da sentença de morte por antecipação.
Por esta forma se firmam os sacrossantos direitos empresariais sobre o mafarrico, o diabólico ser que não sabe fazer outra coisa se não trabalhar; bem-haja, dignos defensores dos direitos humanos por via do capital. Assim se dignifica o Homem. Assim se aproxima mais a Humanidade de Deus. Assim somos livres e felizes, nos realizamos e nos acomodamos no colchão de penas que é esta Europa aculturada à grande Alemanha, que tantas benfeitorias têm trazido ao planeta.
Não sei bem se isto é uma denúncia, se um grito de alma de um simples e ignorante homem de esquerda. Talvez que a virtude pertença por direito divino à direita, e eu, estúpido, ignorante e simples mortal não o perceba; talvez que esta alternância entre o leque partidário à direita seja a civilização do futuro. Não sei. Mas que me faz confusão, isso, faz. Vem um e tudo promete para subir ao poleiro. Depois nada do que prometeu cumpre, porque, o anterior deixou o País na miséria e na banca rota, coisa que foi exactamente, talvez palavra por palavra, o que o anterior governante tinha dito deste que agora conquistou o poder.
Que sou um simplório, isso, de facto sou. É que calhou nascer em tempos aziagos, que, só por mero acaso, não calhou acontecer a uma sesta feira treze. Mas, para mal dos meus pecados, (sim, que os pobres já nascem indesejáveis porque faltosos), não cheguei ao mundo com o cu virado para a lua. Nasci de madrugada, mas no lado esquerdo da vida.
Sei o que não quero porque, rapazola, vivi por partes de casas e quartos; dormi em cama onde dormiam quatro pessoas, que, para ganhar espaço, umas dormiam com os pés para a cabeceira e outras ao contrário. Frequentei sítios finos, como a sopa do Sidónio e, ao invés do que Saramago conta nas suas Pequenas Memórias, eu tenho a certeza que mudávamos tantas vezes de casa porque não havia dinheiro para pagar a renda, isto, apesar do então chefe da família, meu avô, ter passado parte da guerra ao serviço da marinha inglesa na luta pela liberdade.
Sou gente de esquerda por direito de nascença e esforço-me o possível para que este País não volte ao que foi; é esta maneira de ser que me inibe de aceitar o Grande Inútil e os seus pares. Meus amigos, eu quero, para este País, a justiça que só a LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE, nos pode oferecer!
José Solá