AMÉLIA DA CONCEIÇÃO
Amélia
Hoje tenho o prazer de lhe comunicar que faz três meses que iniciámos a nossa troca de correspondência. Por isso ousei, atrevidamente, alterar o nosso referencial tratamento de Senhora Dona Amélia para Amélia. Julgo que não ficará melindrada. É mais fácil e rápido de escrever.
Amélia, sinto que nos conhecemos há muitos anos e que entre nós existe uma empatia que gostaria fosse reconhecida por si. Presumo que tenhamos gostos e interesses comuns. Leio nas entrelinhas das suas frases que é uma mulher com talento, apreciadora das artes e uma excelente companhia para serões de cavaqueira. Mas não estou a fazer-me convidado para ir a sua casa…
Vou contar-lhe uma surpresa. Ontem sonhei que nós, vestidos de branco, passeávamos por jardins cobertos com flores brancas e que a beijei, na testa, bem entendido, timidamente, atrás de uma árvore com folhas brancas. Depois acordei e a Amélia tinha fugido. Foi um sonho lindo, que espero não ser censurável, mas nós não podemos controlar os sonhos, não é Amélia? E que mal há num beijo atrás de uma árvore? Um platónico e respeitoso beijo na testa.
Hoje escrevi mais do que é meu costume. Sou um bocado preguiçoso, pecado pelo qual nunca serei perdoado pelas instâncias divinas.
Até amanhã.
Resposta à carta anterior.
Meu Amigo Desconhecido
Obrigada pela sua última e simpática carta. De facto, parece que nos conhecemos há eternidades. Por vezes fico a pensar se é o tempo que nos controla ou somos nós a controlá-lo. Acontecia-me com frequência estar num sítio e ter a convicção que já lá tinha estado anteriormente. O mesmo acontece com as pessoas. Parece que nós já estivemos em algum lugar, que já conversámos, eu sei lá. É uma sensação estranha, no entanto agradável, mas que me provoca o interesse para compreender estes fenómenos.
É engraçado que eu também já sonhei várias vezes consigo. Pura curiosidade feminina de tentar desenhar o seu retrato-robot, conhecê-lo, vê-lo fisicamente. Não me leve a mal, mas as mulheres têm esse terrível hábito da bisbilhotice. Mas nestes meus sonhos nós não passeávamos num jardim. Andávamos numa praia deserta, molhando os pés nas águas frias do mar, companhia cúmplice das nossas deambulações de Inverno.
Hoje fui à sessão da tarde ver um filme excelente baseado no livro “ O diário da nossa paixão”, de Nicholas Sparks, que por acaso também li, não sendo no entanto um escritor que estimule o gosto pela leitura. Conta-nos duas histórias fantásticas da vida real e que nos avisa que devemos viver bem a vida enquanto podemos, porque não sabemos quando não o possamos fazer.
Tenho saudades de ir ao cinema e entrar nas grandes salas de antigamente. Agora são caixotes onde passamos toda a sessão a ouvir mastigar pipocas e sugar pela palhinha as bebidas que compram à entrada. Vi grandes filmes musicais, como o My Fair Lady, Música no Coração e muitos mais. Mas o tipo de filmes que aprecio é aqueles do género do realizador Ingmar Bergman, de quem quase tenho a certeza de ter visto todos os seus filmes. Impressiona-me a forma como ela trata a solidão, a vida, o amor, a mortalidade, a fé. É insubstituível a forma como ele aborda os temas existenciais.
Ai, eu hoje perdi a noção do tempo. Já passa da uma da manhã e eu aqui toda fresca armada em cronista de cinema.
Vou deitar-me e, quem sabe, sonhar com outro passeio à beira-mar. Espero que a água esteja menos fria.
Cumprimentos.
Amélia
JOSÉ EDUARDO TAVEIRA
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