Évora, terra de espanto, por tanta sensibilidade transparecer da sua arquitectura. Os olhos ficam perplexos, semi cerrados, a protegerem-se da luminosidade que, de todos os lados, mostram as cores firmes daquele mundo, que espreita planícies do alto majestoso da colina.
É feita de contrastes de luz, de harmonias, de nostalgias e de orgulhos. Tudo é proporcional aos tempos e às gentes que por lá passaram, o que nos leva a pensar que foram génios todos os que a projectaram no correr dos séculos.
Do jardim e miradouro fronteiro ao Templo de Diana, (nome que lhe advêm da lenda), percebemos uma planície imensa que chora lágrimas para se esquivar da calma cálida do Sol do verão. Há coisas de ontem a rodear-nos por todos os lados. Viajaram através dos milénios. Chegam-nos dos idos da história em que, naquele preciso sitio, nasceu Ebora Liberalitas Júlia, a rodear o Templo onde se divinizou o Imperador Augusto. E o templo foi o centro onde se manifestou a vontade dos supostos homens bons da época, o Fórum. Mas, a atestar a hegemonia pecaminosa de todos os sistemas autoritários, também por ali se consta que deambulou Sertório e as suas legiões revoltadas, a protagonizarem o descontentamento seu e das gentes lusas.
Évora é assim um pedaço da história desta Europa compulsiva de ódios, em que os maiores se põem nos bicos dos pés para aterrorizarem os mais pequenos, esquecendo que, as dádivas destes, deu-lhes os mundos que hoje exploram.
Na cidade a beleza e a gentileza das formas vivem através do prazer de quem a vê. A Praça do Geraldo, com a sua fonte única, as arcadas, os prédios maneiros a delimitar o rectângulo, as cores, a pacatez provinciana de toda a preguiça que enfeitiça os corpos nos dias de muito Sol, os palácios, o barroco, o manuelino, enfim, o encontro de estilos das suas igrejas; a zona histórica feita de ruelas, com casas de pobres e de ricos estampadas de ambos os lados pelo dédalo das ruas, agora um palácio com o seu portão por onde saíam as carruagens, ao lado uma casa de gente pobre, e aqueles candeeiros em ferro trabalhado semeados com mão de mestre pelas fachadas; às tantas, com o cair das sombras da noite, parece que, por um qualquer feitiço que nunca entenderemos, víssemos amantes encapuçados a passarem furtivos encostados às paredes, ou os alabardeiros da guarda em patrulha de rotina para garantir os sossegos.
E, a fazer-nos reflectir, a capela dos ossos a mostrar-nos o fim último das misérias humanas. Vamos ser assim, todos, sem excepção, desde o rei, o príncipe, o burguês, o nobre, o cavalo do nobre, a amante do nobre ou do rico, a camponesa que foi violada pelo senhor da terra, o senhor da terra e o seu moço de estrebaria. Tanto tormento de que se faz a vida, para ficarmos assim, tão iguais.
Évora afinal, é uma das tantas cidades que nos orgulham, uma das últimas coisas que nos restam que justifica o nosso sentido pátrio. É de lamentar que muitos portugueses morram sem as conhecerem. É a negação de direitos básicos de uma cidadania feita sem justiça. Os estrangeiros conhecem a terra que nossa é por direito de nascença, por cultura, pela língua que falamos, pelo solo que defendemos, pelo sangue que derramamos; os estrangeiros conhecem-na, mas a maioria de nós não.
Para a nossa gente sempre sobrou o calor ou o frio da rua, as pedras da calçada e o direito de por ela andarmos quando nos deixam, a defesa do que nunca foi nosso, se preciso com o sacrifício da vida, alguma fominha oferecida pela gentileza dos ricos, com a garantia que, no fim único, quando a pouca carne, seca pelas tristezas da vida, se despede dos ossos, então, sim, ficamos todos iguais.
Com o tempo tudo morre. As concepções de tudo o que é material na vida, incluindo as cidades. Não apenas os homens. Daqui por noventa e nove anos começamos a caminhar para o fim. Depois, com mais cem, possivelmente os últimos vão. Ficam os mercados bolsistas a fazer o futuro. Um futuro feito de prédios de vidro, torres de cimento armado que nos roubam o Sol, nos fazem esquecer das árvores e das flores, das praias quando eram de todos, do vento a correr livre e despreocupado pelos campos.
Ficam os bancos. Faça um empréstimo, meu caro, para puder pagar o último dos trezentos empréstimos que fez nos anos passados. Não recebeu o ordenado? Pois, os empréstimos têm de ser pagos. São razões de princípio, sabe? Tem fome porque amortizou o empréstimo e ficou sem dinheiro? Mas isso é uma questão de hábito. Entenda de vez que não pode haver progresso sem o esforço do trabalho. Suor e lágrimas, nunca ouviram dizer? Se trabalha doze horas passe a trabalhar catorze, que o dia ainda tem as mesmas vinte e quatro, que nós, os bancos, nisso ainda não mexemos. Calma, amigo, não se precipite, não se suicide, pense que Deus o castiga e lhe despeja a alma no inferno. E depois? É uma eternidade de sofrimento. Que compensação tem se for para o céu? Bem, virgens ainda não têm por lá, como nos outros paraísos. Mas é uma simples questão de acordos entre deuses. Coisas que o tempo resolve, vão ver. Deus já pediu esclarecimentos para obter um empréstimo para remodelar o Céu…
Manifesto de responsabilidade
Os artigos e os respectivos conteúdos publicados neste blogue são da exclusiva responsabilidade dos seus subscritores e não vinculam de forma alguma o Sítio do Livro.
Este blogue está dedicado exclusivamente à livre participação pelos autores que publicam livros por intermédio do Sítio do Livro, o qual não exerce qualquer moderação ou interferência nos artigos aqui publicados.
Assim mesmo, pede-se aos participantes que, para não se desvirtuar o intuito do blogue, se atenham a temas do mundo dos livros e dos autores, da literatura ou, mais em geral, culturais.
SitiodoLivro.pt-
ou via feeds RSS
Quer publicar um livro?
Quem já publicou connosco
-
Artigos Recentes
- Depois da Vela Apagada
- O Último Oleiro
- RÓMULO DUQUE
- Queria candidatar-me ao plano nacional de leitura 2020 se faz favor
- Um animal um tanto talentoso
- Como o livro “Uma lógica causa-efeito” se está aproximando do razoável
- Uma libelinha em desespero
- Nos caminhos do ser Humano (III)
- Nos caminhos do ser Humano (II)
- Convite
- “Nos Caminhos do Ser Humano”
- VOLTAIRE – Tratado sobre a Tolerância
- JOÃO VILLARET, ANTÓNIO BOTTO E FERNANDO PESSOA
- STEPHEN CRANE – É boa a guerra
- MIGUEL TORGA – Aos poetas
Comentários Recentes
- Elisa em AS REDACÇÕES DO CARADANJO
- romuloduque em Queria candidatar-me ao plano nacional de leitura 2020 se faz favor
- Pedro Machado em GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL – Primeira travessia aérea do Atlântico Sul
- Engrácia Rodrigues em Um animal um tanto talentoso
- Ariane em O milagre de Eir ( de Danilo Pereira )
- VOLTAIRE – Tratado sobre a Tolerância — Blogue dos Autores | O LADO ESCURO DA LUA em VOLTAIRE – Tratado sobre a Tolerância
- ERNEST WIECHERT – ‘FLORESTA DOS MORTOS’ – O testemunho sobre o terror nazi — Blogue dos Autores | O LADO ESCURO DA LUA em ERNEST WIECHERT – ‘FLORESTA DOS MORTOS’ – O testemunho sobre o terror nazi
- rosalinareisgmailcom em Gestão de Existências e Apuramento de Custos, de Rosalina Reis
- EUGÉNIO DE ANDRADE – Último Poema – Filipe Miguel em EUGÉNIO DE ANDRADE – Último Poema
- FERNANDO PESSOA – Como a noite é longa! – Filipe Miguel em FERNANDO PESSOA – Como a noite é longa!
- Poema de JOSÉ TERRA dedicado a MATILDE ROSA ARAÚJO – Descoberta — Blogue dos Autores | O LADO ESCURO DA LUA em Poema de JOSÉ TERRA dedicado a MATILDE ROSA ARAÚJO – Descoberta
- AntimidiaBlog em PAUL ÉLUARD – A poesia será feita por todos…
- Ribeiro em Depois da Vela Apagada
- anisioluiz2008 em Crescendo Constroem-se os Sonhos(V)
- Crescendo Constroem-se os Sonhos(V) | Blogue dos Autores em Crescendo Constroem-se os Sonhos(V)
Categorias
- eventos (6)
- Notícias (10)
- Notícias, eventos (43)
- Novidades, lançamentos (54)
- Opiniões (11)
- Opiniões, testemunhos (98)
- testemunhos (7)
Arquivo
- Junho 2022 (3)
- Dezembro 2019 (1)
- Julho 2019 (1)
- Maio 2019 (1)
- Maio 2018 (1)
- Abril 2018 (4)
- Março 2018 (4)
- Fevereiro 2018 (7)
- Janeiro 2018 (5)
- Dezembro 2017 (10)
- Agosto 2017 (3)
- Maio 2017 (1)
- Fevereiro 2017 (2)
- Janeiro 2017 (1)
- Novembro 2016 (3)
- Outubro 2016 (5)
- Junho 2016 (1)
- Maio 2016 (3)
- Abril 2016 (2)
- Março 2016 (1)
- Fevereiro 2016 (1)
- Janeiro 2016 (3)
- Outubro 2015 (1)
- Setembro 2015 (2)
- Agosto 2015 (5)
- Julho 2015 (1)
- Junho 2015 (9)
- Maio 2015 (7)
- Abril 2015 (27)
- Março 2015 (8)
- Fevereiro 2015 (3)
- Dezembro 2014 (2)
- Novembro 2014 (1)
- Outubro 2014 (3)
- Setembro 2014 (4)
- Agosto 2014 (4)
- Julho 2014 (2)
- Junho 2014 (5)
- Maio 2014 (9)
- Abril 2014 (10)
- Março 2014 (19)
- Fevereiro 2014 (36)
- Janeiro 2014 (4)
- Dezembro 2013 (5)
- Outubro 2013 (8)
- Setembro 2013 (4)
- Agosto 2013 (1)
- Julho 2013 (4)
- Junho 2013 (5)
- Maio 2013 (15)
- Abril 2013 (19)
- Março 2013 (13)
- Fevereiro 2013 (20)
- Janeiro 2013 (23)
- Dezembro 2012 (19)
- Novembro 2012 (24)
- Outubro 2012 (30)
- Setembro 2012 (26)
- Agosto 2012 (32)
- Julho 2012 (27)
- Junho 2012 (41)
- Maio 2012 (47)
- Abril 2012 (39)
- Março 2012 (38)
- Fevereiro 2012 (45)
- Janeiro 2012 (56)
- Dezembro 2011 (38)
- Novembro 2011 (56)
- Outubro 2011 (83)
- Setembro 2011 (54)
- Agosto 2011 (38)
- Julho 2011 (43)
- Junho 2011 (50)
- Maio 2011 (43)
- Abril 2011 (10)
- Março 2011 (8)
- Fevereiro 2011 (9)
- Janeiro 2011 (16)
- Dezembro 2010 (4)
- Novembro 2010 (7)
- Outubro 2010 (5)
- Setembro 2010 (2)
- Agosto 2010 (4)
- Julho 2010 (4)
- Junho 2010 (6)
- Maio 2010 (2)
Os nossos bloggers
- antoniapalmeiro
- araujosandra
- catiapalmeiro
- Clemente Santos
- cmanuelsimoes
- Cristina Rodo
- danarts
- danielsmile15
- Armando Frazão
- dulcerodrigues
- fernandojer
- gilduarte
- inesartista
- Intermitências da escrita
- jacques miranda
- José Guerra
- José Eduardo Taveira
- jsola02
- Lou Alma
- luizcruz1953
- macedoteixeira
- maria joão carrilho
- Marifelix Saldanha
- martadonato
- modestoviegas
- mpcasanova
- nunoencarnacao
- Nuno Gomes
- oflmcode
- orlandonesperal
- paulopjsf
- Pedro Nunes o B)'iL
- projectosos
- ritalacerda
- rodrigolvs
- Rómulo Duque
- rosalinareisgmailcom
- saalmeida
- SitiodoLivro.pt
- taniamarques241
- vanessaoleal
- vpacheco44
- withinthegalaxy
As últimas publicações
Ligações que recomendamos
Os nossos Autores
Os nossos e-books
Todas as nossas publicações