AUGUSTO GIL
(Lordelo do Ouro, Portugal, 1873 – Guarda, 929)
Poeta
LUAR DE JANEIRO
Luar de Janeiro,
Fria claridade
À luz dele foi talvez
Que primeiro
A boca dum português
Disse a palavra saudade…
Luar de platina;
Luar que alumia
Mas que não aquece,
Fotografia
De alegre menina
Que há muitos anos já… envelhecesse.
Luar de Janeiro,
O gelo tornado
Luminosidade…
Rosa sem cheiro,
Amor passado
De que ficou apenas a amizade…
Luar das nevadas,
Àlgido e lindo,
Janelas fechadas,
Fechadas as portas,
E ele fulgindo,
Límpido e lindo,
Como boquinhas de crianças mortas,
Na morte geladas
-E ainda sorrindo…
Luar de Janeiro,
Luzente candeia
De quem não tem nada,
-Nem o calor dum braseiro,
Nem pão duro para a ceia,
Nem uma pobre morada…
Luar dos poetas e dos miseráveis…
Como se um laço estreito nos unisse,
São semelháveis
O nosso mau destino e o que tens;
De nós, da nossa dor, a turba – ri-se
– E a ti, sagrado luar… ladram-te os cães!