Reflectindo sobre a lei das rendas
A senhora ministra Assunção “deu à luz” uma lei das rendas, novinha em folha, feita a preceito e a rigor, sem falhas, a palavra da Lei para suprir a todas as necessidades de inquilinos e senhorios, (ao que diz esta jovem ministra, a quem eu, delicadamente, chamo pelo nome ternurento de menina Assunção).
À minha memória acorrem factos do antigamente, de quando, – ainda menino, – morava lá pelo alto da rua Morais Soares e, pelas manhãs, frio ou calor fizesse, vinha pela mão da minha mãe a caminho de uma ama onde ficava, enquanto a mãe, no trabalho, ganhava o pão-nosso de cada dia.
Certa manhã deparei com um senhor deitado numa cama encostada na fachada de um prédio, então perguntei a minha mãe, na ingenuidade própria das crianças: “Mãe, este senhor dorme aqui?” E ela respondeu-me: “Não! Sabes, como fez muito calor esta noite, o senhor veio dormir para a rua!” Fiquei então a saber que as pessoas, em noites de muito calor, podem dormir nas pedras das calçadas, ou talvez onde calhe; até ao dia em que a maleita nos bateu na porta. Primeiro o dono da casa que alugava quartos e partes de casa, que foi despejado por não pagamento das rendas ao senhorio, depois nós, os locatários dos quartos e das partes de casa. O primeiro conto que publiquei no Diário de Lisboa diz do meu espanto e do meu medo, quando, naquele casarão vazio, com um daqueles pés direitos altos, imenso, assustador, próprio das casas antigas, me vi, puxando um cavalito de cartão com rodas e preso a um fio, olhando as paredes nuas, as portas altas, as imensas janelas, e então me encontrei com a realidade horrenda da vida dos pobres. É que eu, sem o saber, na época, ainda que filho de um empresário rico, por ter uma mãe pobre, também era pobre!
Da guerra entre pobres e ricos, desse combate onde não existe compaixão, onde se geram ódios, rancores e sofrimento, onde a razão se perde num labirinto de sentimentos indescritíveis, nasce um medo de viver, de não ter, que toca a uns, e um enorme desprezo e incompreensão que agudiza a raiva dos outros. Quem tem a verdade consigo? E o que afinal é a verdade? E como sanar o mal social que a todos incomoda? Com a feitura de uma simples, insignificante, modestíssima e medíocre lei das rendas? Não, menina Assunção! Só conseguindo que o dinheiro circule pelas pessoas, como resultado da valorização e da dignificação do trabalho. Essa a via, esse o milagre ao alcance dos homens honestos, dos homens de bem porque, dos outros, dos pequenos e insignificantes homens, das meninas Assunção e das virtudes das suas patéticas leis, daí, nada de bom resulta. Um inquilino faltoso não pagou a renda ao senhorio? Bem, se o dinheiro circular pelas mãos de quem trabalha, se existir justiça social, se os homens forem considerados Homens, este caso é um simples e mero caso de polícia, apenas e simplesmente isso. Mas, se menosprezamos, ou desvalorizamos os agentes que manufacturam a produção, se lhes atribuímos uma ínfima parcela da riqueza que geram com o labor das suas mãos, se e quando os ignoramos como gente de bem, útil à sociedade e ao todo que faz o País, se lhes destinamos a miséria de uma caridadezinha mesquinha e obsoleta, então, cavamos um fosso intransponível entre os seres humanos que, fatalmente, num futuro mais ou menos distante, acaba por afectar tanto os pobres como os ricos. É como se privatizássemos o ar que as pessoas respiram, como se, por cada suspiro, lhes impuséssemos o pagamento de um imposto, com a desculpa de que lhes estamos a garantir uma excelente qualidade do ar.
Menina Assunção, veja o mundo e a sua verdade por outro prisma; pense, faz quantos anos, séculos mesmo, que o intelecto dos Homens exorciza e esconjura os bruxedos e os maus-olhados, as crendices, os desméritos resultantes da ignorância, a mediocridade anacrónica dos dogmas que justificam os deuses que nunca se mostram; resultados desse constante esforço são frutuosos e visíveis, sim, ainda que frustrantes por pouco compensadores, já que este mundo de bruxedos e estupidez congénita é, teimosamente, de compreensão e lenta evolução, o que provoca desmotivação e cansaço nos homens de boa vontade; se, ainda por cima, os homens e as mulheres de bem, se vêm a braços com a necessidade de também exorcizar os demónios que chegam ao mundo da decência, por via das leis das rendas, da autoria das meninas Assunção, não lhe parece um esforço desnecessário? É como o Poder dizer que, em 2015, ano de eleições, enfim, se ameniza o calvário da nossa miséria, por alívio da austeridade que nos é imposta por um governo esquizofrénico!
José Solá
O PIOR QUE NOS PODE SUCEDER É SOFREMOS O MAIS NEFASTO DESASTRE HUMANO DA NOSSA HISTÓRIA; O MELHOR, È RECUPERARMOS A NOSSA SOBERANIA E INDEPÊNCIA, FACE A ESTA, HOJE, INSIGNIFICANTE EUROPA!
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