Reflexões
Portugal no presente
No Portugal de antes, faz muitos anos, quando um empregado se preocupava com os processos de trabalho, e dava sugestões para os melhorar, invariavelmente, recebia do empregador uma resposta lacónica: “Você está aqui para trabalhar e não para pensar, para pensar, eu cá estou!” Acomodado por força da necessidade e da sobrevivência, o princípio pegou. Quem trabalha, trabalha, não tem qualquer razão para pensar; quem subentende e dirigi o trabalho, sim, é quem pensa! Assim se processou o então vasto mundo lusitano, espalhado pelas quatro partidas da terra; quem pensa dirige, quem trabalha, trabalha. Cada macaco no seu galho. Quem manda é porque pode, e obedece quem deve. Simples, porque, afinal, a vida é tudo menos complicada.
Passaram os anos. E quando os anos passam num País onde poucos pensam, muita coisa em princípio, pode suceder. Aconteceram guerras. Venderam-se às fortes gentes as fracas certezas de hoje, sempre ofuscadas pelas glórias de ontem. As Armas e os Barões assinalados, que, vencendo medos, passaram para Além da Taprobana, e isso basta para justificar todos os vastos séculos da existência de um Povo, de um País, de uma Gente que se quer forte mas, (talvez porque poucos têm o encargo de pensar), se encontra, escondida no sigilo da História, fraca.
Todas as potências ocupantes europeias perceberam que os Povos das suas colónias, mais cedo ou mais tarde, se emancipavam, fugiam por entre as grades das gaiolas, rumo à liberdade da Independência; todas? Bem, uma modesta aldeia lusa permite-se discordar do inevitável e, dos seus esfarrapados argumentos, ganha o isolamento internacional e a guerra.
No inicio os ventos corriam de feição; a guerrilha, armada de catanas e de toscas armas ligeiras, carregava em terreno aberto, para caírem, varados pelas balas das armas automáticas, atrás das nossas linhas.
Decorridos treze anos de uma guerra sustentada em três frentes, os nossos não evoluíram, (quanto ao armamento), mas a guerrilha sim; utilizam armamento ligeiro municiado com pentes com oitenta balas, e os nossos tem as velhinhas G3 com pentes de vinte balas. A guerrilha dispõe de mísseis terra ar, nós continuamos com o nosso engenho e arte, traduzido no termo bem conhecido por desenrascanço. A derrota espreita os nossos tristes pensadores, enquanto a gente simples feita carne para canhão, humildemente, se limitou a exercer o trabalho da guerra. Como vender bem a derrota a um povo ignorante por conveniência dos seus dirigentes pensadores? Como continuar na mó de cima, como permanecer no poleiro superior do galinheiro do Poder?
Como o velho ditado diz, “Quem não se sente não é filho de boa gente,” como explicar a um povo velho e cansado, de mãos calosas por via do cabo da enxada, que a morte dos seus filhos, dos seus irmãos, dos maridos, que por lá ficaram enterrados em campas rasas, abandonados à sorte das injurias dos vencedores, apenas porque faltou verba para resgatar os corpos, e os que regressaram, estropiados, mais não são do que fardos para o parco orçamento familiar? Se este triste Povo é filho de boa gente, e finalmente percebe o engodo da falsa valentia, a horrenda e ultrajante verdade, é bem capaz de se desinquietar! Então há que engendrar um fim honroso. Um golpe de Estado, calculado e permitido, aproveitando o justo e legitimo descontentamento de quem fez o trabalho sujo da guerra e correu todos os riscos: os oficiais milicianos e as praças saídas maioritariamente das hostes dos camponeses e dos operários. Uma Democracia tosca saída da inexperiência dos aprendizes de políticos, de há muito atirados para o exílio, ou para a clandestinidade.
Aproveitando a inevitável confusão dos primeiros dois ou três anos, os gastos excessivos que delapidam o erário publico e, (porque não dizê-lo), o ouro acumulado no cofre pelo ditador que vestia fatos virados pela costureira, a insidiosa gente pede e obtém maiorias parlamentares que permitam cumprir o programa proposto para uma legislatura. Durante trinta e seis anos, alternadamente, dois partidos maioritários e outro de menor dimensão governam o País, praticamente sem oposição, até aos dias de hoje.
E hoje, como está Portugal? Um milhão e meio de desempregados; dois milhões de pobres que vivem abaixo dos limiares da pobreza; outro milhão e meio de pessoas que auferem vencimentos que não ultrapassam os seiscentos euros mensais, (isto, o que se depreende dos números que vão surgindo a publico, num País onde sempre se esconde a verdade aos seus dez milhões de habitantes). Empresas falidas, que diariamente pedem insolvência, pessoas da classe média que, após uma vida de trabalho, são roubadas nos seus legítimos direitos, a quem retiram os subsídios, aumentam os impostos do IRS, por via do esmagamento dos escalões, e assim as impedem de prestar auxílio a filhos e netos atingidos pelo flagelo do desemprego. Hospitais onde faltam os medicamentos. Os corredores das unidades hospitalares repletos de doentes acamados em macas, por falta de camas, aumento insuportável dos transportes públicos, pessoas que dormem nas ruas, uma Pátria onde, do nascer ao pôr-do-sol, as gentes tristes caminham cabisbaixas, olhando o chão com lágrimas nos olhos, sem futuro, sem dignidade, sem esperança.
Enquanto isto, na casa da Democracia, a Assembleia da Republica, a presidente em exercício, obteve uma reforma aos quarenta e dois anos; no palácio de Belém um Presidente da Republica colecciona reformas, e fala à juventude no provir risonho que nos vem salvar no Portugal após Troika! Como se fosse possível o milagre da multiplicação dos pães, os dogmas, as bem-aventuranças dos milagres…
E quanto a dividas? Bom, um número simpático, apenas uns míseros cento e noventa e dois mil milhões de euros, que todos nós, o dito Povo, que diariamente anda pela boca dos deputados, lhes retira o sono e lhes ocupa as mentes brilhantes, esse mesmo triste e pobre Povo, que tanto viveu acima das suas possibilidades, vai agora a ter que pagar, possivelmente com o produto da venda das cuecas que ainda sobram e são utilizadas por alguns…
Diz o Poder eleito que o anterior governo, numa meia dúzia de anos, endividou o País em sessenta mil milhões; bom, ainda falta justificar cento e trinta e dois mil milhões, e como o actual governo é também farto de períodos de governança com maioria na Assembleia, é de inquirir qual o exacto montante que lhe cabe no desvario orçamental!
Portugal no futuro
Os países não morrem, os países continuam; é bem verdade, inquestionável verdade. Mas, também é verdade que a vida das pessoas é curta, limitada, ainda que sujeita aos melhores cuidados de saúde, e que, via da regra e da lógica, encurta sempre que esses cuidados perdem qualidade; é bom lembrar que o povo paga impostos consoante os seus rendimentos do trabalho. Quem mais ganha mais paga. E, é bem verdade que os Povos não morrem mas, (quando lançados na extrema pobreza), se tornam escravos dos mais fortes…
Que futuro? O da fantasia dos discursos, onde se esgrimem argumentos insonsos, em que a maioria de hoje acusa a maioria de ontem por todos os males que afligem esta triste e alquebrada nação? Os que argumentam que as maleitas nos chegam de fora, qual vírus, e que a falta da solidariedade europeia nos afunda mais a cada dia que passa? Mas, a Europa só fez o que nós deixamos! A divida que contraímos é nossa e, se é certo que esta Europa nos levou quase todos os nossos meios de produção e, consequentemente, de subsistência, também é verdade que nos pagou! Onde estão esses milhões? Quem, (desses três partidos da dita área da governação) se chega à frente e presta contas? É possível responsabilizar os outros pelo facto do Portugal de hoje não passar de um medonho BPN, onde os crimes de colarinho branco são constantes e sempre ficam impunes?
Num futuro já pouco distante, quando a caridosa Alemanha, enfim, chegar para nos salvar, tem a vida facilitada. Encontra um País sem direitos de trabalho, uma legislação laboral frouxa e inconsequente, milhões de desempregados e de famintos, aos quais pode simplesmente pagar por dia de trabalho de muitas horas um prato de sopa e uma carcaça. É a fartura da miséria; é bem certo que não à fome que não dê em fartura, e nisso, o senhor ministro das finanças tem uma certa razão…
As nossas forças armadas
Senhores militares, generais e almirantes, oficiais, sargentos e praças: é bom lembrar, de quando em vez, alguns ditos populares da nossa gente, como: Paleio tem o meu Zé muito, Palavras leva-as o vento; o que conta são sim as atitudes e as acções.
É que, esforçados defensores da Pátria, temos de convir que um País pobre tem, por força e evidência das circunstâncias, um exército pobre; um País de desempregados e de famintos, de gente velha, vilipendiada e cheia de carências, (até alimentares e de cuidados médicos), pelo rigor da lógica tem um exército em farrapos, incapaz de, minimamente, cumprir com a sua missão.
Quando se fala nas carências e insuficiências dos hospitais militares, é bom recordar aos senhores oficiais as nossas insuficiências hospitalares, (as dos nossos civis, entenda-se).
Um jovem desempregado, porque quebra e entra em depressão, vai de urgência para o hospital central da área da sua residência, (que se situa a uma hora de distância, utilizando os transportes públicos). Três meses depois recebe uma carta: o hospital faculta-lhe meia hora de consulta de psicologia por mês; mas, os pais do jovem – que não cruzaram os braços – já sabem que o filho carece sim de três horas de consulta de psicologia por semana, a sessenta e cinco euros por consulta. Como o governo lhes cortou os subsídios e as reformas, e como os transportes públicos subiram os preços para valores insuportáveis, e como o jovem já não tem subsidio de desemprego, na prática, o jovem está sem assistência, e como quem, neste País, tem o meio de defesa eficaz que se chama ARMAS, (são os senhores), o pai do jovem, depois de pouco meditar, decide destinar uma fatia das parcas economias que ainda lhe restam, para a aquisição de uma armita, (dessas modernaças), munida inclusive de óculo telescópio…
Senhores oficiais generais na reserva, na reforma, ou no activo: nós, povo, não receamos os perigos da dita “Primavera Árabe,” pela simples e única razão de que já temos entre mãos a nossa Primavera!
Termino com duas frases sintomáticas que caracterizam a genialidade intelectual dos nossos banqueiros: “se o Sporting tem futuro, Portugal também tem!” ou: “Se os gregos aguentam mais austeridade nós também aguentamos!” Fiquei a saber que na Grécia existem banqueiros na miséria, sem abrigo, a viver nas ruas… (talvez, por desespero, já agarrados pelas drogas).
Amigos: que o nosso grito de revolta seja:
LIBERDADE! FRATERNIDADE! IGUALDADE! Que estes princípios velhinhos, que nos chegam da Revolução Francesa, sejam o esteio capaz de nos libertar deste medonho inferno!
José Solá
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