“Noites Camonianas” é uma das histórias contadas por Beatriz Costa no seu livro “Sem Papas na Língua”, publicado em 1974, com prefácio de Jorge Amado.
Actriz de revista e de cinema, nascida na Charneca do Milharado, perto de Mafra, teve uma vida recheada de sucessos, viagens e amores. Conviveu com gente ligada às artes, à literatura, ao espectáculo, tanto em Portugal como no estrangeiro.
As suas crónicas escritas com humor, ironia e crítica, merecem ser divulgadas, porque são também o retrato de uma época não muito distante.
NOITES CAMONIANAS
No Largo de Camões havia uma leitaria, O Araújo, em que se reunia todas as noites a fina flor do jornalismo, muita gente de teatro e alguns “coiós”. A vedeta destas reuniões boémias era o Nascimento Fernandes, que, como eu, adorava “jaquinzinhos” fritos com açorda, o prato forte da casa. A única atrevida que se sentava naquela mesa de homens com H era eu… Lá estavam Álvaro de Andrade, Félix Correia, Artur Portela, Rogério Peres e tantos outros. O “jaquinzinho” ainda não tinha sido promovido a carapau de gato, que as varinas davam de lambujem às freguesas de pescada! Hoje, estes atrofiadinhos das marés custam trinta e cinco escudos o quilo.
Eu era chamada de vez em quando para animar a ceia, porque o Nascimento se divertia à grande comigo. Outro que era assíduo pela vontade de todos, que o estimavam muito, era o Carlos Baptista. Aparecia o Stuart Carvalhais, já entre as dez e as onze… Contava-se que recebera quatro contos dum trabalho, comprou um casaco de peles para a mulher e quatro caixotes de garrafas de vinho do Porto! Stuart aproveitava essas reuniões para desenhar o que apanhava a jeito do seu traço genial! Se eu tivesse guardado tudo quanto esses homens me dedicaram, tinha centenas de coisas preciosas, que hoje valiam fortunas. Mas o melhor que me ficou deles foi esta recordação! O dinheiro entrou por outro canal: o do suor do meu rosto. Espalhei desenhos, quadros a óleo, poemas, peças valiosas, por mãos sujas, que eu nunca devia ter apertado…
Mas apertei!