Texto do livro em preparação

Texto do livro em preparação

NESTES TEMPOS CONTURBADOS EM QUE TANTO DOUTO SENHOR BOTA FALADURA SOBRE QUESTÕES DO FORO DA JUSTIÇA (E NÂO APENAS…) PARTILHO COM VOÇÊS O PARECER DE UMA DAS PERSONAGENS DO LIVRO EM CAUSA.

“- Descanse que se for o caso arranja-se lá por casa alguma coisa que precise…

– Não vai ser o caso, descanse.

– Olhe que de noite, no barco, faz frio! A propósito, e para encher o tempo, você ia a falar sobre a justiça, lembra-se?

– Mais ou menos. Mas de qual justiça?

– Da nossa, como é evidente.

– Sim, eu sei, mas qual delas, é que temos várias, ou não sabe? – Baltazar Antunes bebericou dois ou três tragos do seu cálice de licor, de vidro facetado, enquanto mordiscava, de seguida, umas pequenas favas salgadas; – Sabe, meu caro, temos a justiça dos pobres, a dos ricos, mais a dos que, não tendo cheta, conhecem alguém importante, e ainda a dos muito ricos que fazem para si a justiça que lhes dá mais jeito, conforme os casos e as circunstâncias, e se nos apetecer especular mais um pouco, ainda se pode dizer que temos a justiça dos de fora e a justiça especialmente criada para inglês ver. É só escolher, meu bom amigo… – Baltazar esparramou-se melhor no velho cadeirão revestido a veludo azul, aqui e ali coçado dos anos e a perder a cor de vagarinho, assim como quem envelhece com o correr do tempo, e vai mostrando aos poucos uns cabelos brancos de neve que choram saudades dos tempos idos. Olhou de sorriso aberto, escancarado no rosto, a mostrar uns olhos brilhantes e eternamente perdidos no seu imaginário, a João Boa Brisa que, no entretanto, se acomodara em outro velho cadeirão, na sua frente, e sem grande jeito o encarava um tanto perplexo.

– Olhe, Baltazar, diga-me o que pensa de um desses casos que volta e meia andam por aí na berra, a indignar as pessoas… – Pediu.

– Fica por tanto ao meu critério?

– Sim!

– Então, assim sendo, deixe-me lá ver. Olhe, o que eu faria, se juiz fosse, aquele famigerado sem abrigo que roubou uma embalagem de polvo mais não sei o quê, acho que chapou, num supermercado, desses que dão sempre qualquer coisa grátis desde que se compre muito? Eu dava-lhe uma pena exemplar, para o tipo nunca mais voltar a roubar na vida…

– A um pobre coitado que rouba para comer?! Bem, dizem práí que a justiça é cega… – Comentou João.

– Foi, meu caro, foi. Tinha os olhos vendados, mas nestes tempos modernos passou a usar uma pala no olho direito. Modernices, meu amigo, modernices.

E Baltazar, de permeio com mais uma trincadela nos aperitivos, e um gole de abafado, prosseguiu:

– Como é óbvio e evidente, quanto à minha suposta qualidade de juiz, meu amigo, a esse tipo condenava-o a duas ou três penas, se me fosse possível por via da Lei. Primeiro, obrigava-o a tomar banho, cortar o cabelo, fazer a barba, e vestir roupa limpa, paga pela cadeia, já se vê; depois humilhava-o de forma exemplar. Que coisa pior para um vagabundo, do que condená-lo a morar numa casa e a ter hábitos saudáveis de trabalho e de higiene? E mais, – acrescentou, passados uns quantos segundos de silêncio. – Para a lição ser-lhe mais penosa, se possível, obrigava-o a trabalhar exactamente no supermercado onde roubou, e ainda por cima, para maior vergonha, em pé de igualdade, no trato e no salário, com os restantes empregados!

– Então e se o tipo é desses que não quer mesmo trabalhar? – Atalhou João.

– Há disso? – Interrogou Baltazar. – É capaz de ter alguma razão, João, mas não muita. É que a natureza de facto, por vezes, prega-nos partidas; sabe, é como quando uma peça sai da linha de montagem com um evidente defeito de fabrico. Mas via de regra não. As peças correm a sua rotina e saem sem defeitos de monta. No caso dos humanos o mais importante é sim a educação; a base, entende? Essa sim, é a alma do negócio de uma sociedade sem defeitos, capaz de caminhar sem pés de barro…

Sobre a mesinha de sala que estava de permeio, entre ambos, a caixa dos aperitivos salgados ia a mais de meio. A garrafa do abafado levara de igual modo um desbaste considerável.

– O homem quando aparecer aí todo cheiroso vai perceber os estragos que estamos a fazer! – Disse Baltazar Antunes, enquanto mordiscava mais uma pequena bolacha.

– Você fala de uma justiça como se fala de uma mistura de muitas conveniências, segundo o poder de cada um, assim correm as decisões nos tribunais…

– Então e qual é a sua ideia, João?

– Olhe, nem sei bem…

Entre um mastigar prolongado e um gole a escorropichar o líquido que restava no cálice, um olhar para a vidraça da janela alta por onde o sol se esgueirava para a sala, Baltazar ficou pensativo, como se rebuscasse as palavras.

– João, imagine um pântano de águas fétidas, a cheirar a ovos podres, águas estagnadas, encobertas por largas folhas de plantas amarelecidas e tristes. É isso a aberração da nossa justiça, por via das milhentas emendas que ao longo dos anos se têm feito às leis; imagine, ainda, que esse pântano comporta ainda os tribunais, com toda a sua carga de saberes e ofícios que os corporizam; como acontece nos pântanos, quando lá caem os animais incautos, os únicos répteis que deles se alimentam são os crocodilos, e destes, os mais velhos e experientes sáurios são, via de regra, os que abocanham primeiro as presas e, logo, se banqueteiam com os melhores pedaços. Esses são os juízes. A seguir saboreiam ainda bons pedaços os filhos dos primeiros, que são os advogados mais sabidos, e o que sobra fica então para os pequeninos, os que têm a seu cargo o desempenho dos pequenos papéis, os ditos oficiais de justiça, os escrivães, os escriturários, e quando chega a vez dos modestos arquivistas, esses que andam sempre de casacos coçados nos cotovelos, aí já sobra apenas a mama da carcaça! Portugal foi sempre governado por coisas pequeninas, gente sem importância, de duvidoso valor, para quem os outros pouca ou nenhuma importância têm, e a justiça não é a excepção à regra, é sim a regra! Imagine um polvo onde os tentáculos cresceram sem nexo, sem rei nem roque, de forma completamente anárquica, e tendo sempre em vista a defesa de dois princípios: Primeiro os interesses dos mais poderosos, das suas supostas mais-valias, segundo, o que os de fora podem pensar de nós, isso é de extrema importância, se queremos que nos continuem a considerar um país…

De um fôlego Baltazar Antunes engoliu um cálice cheio de abafado. A seguir continuou, agora num tom mais pausado: – Sabe João, existem muitas coisas que nós, como povo, que se entenda, já se vê, não temos; são dinheiro e, acima de tudo, credibilidade externa. Eles apanharam-nos o jeito, as falhas, as fraquezas, as manhas e as aldrabices. Na verdade, sendo geograficamente europeus, como gente somos outra coisa qualquer, e nem nós sabemos bem o quê…

– Então onde fica aí, nesse seu raciocínio, a democracia, os direitos cívicos dos cidadãos, a obrigação das maiorias respeitarem as minorias, o respeito pelo povo?!- Interrompeu João Boa Brisa.

Baltazar Antunes deixou escapar uma pequena gargalhada. Ergueu-se, endireitando o tronco, e retesou os braços a espreguiçar-se. Deambulou pela pequena sala, parando perto da estante a apreciar os rostos impressos a preto e branco nas fotografias metidas em velhas molduras.

– Vê, meu amigo, esta gente simples que os retratos nos mostram? Eram, e ainda o são os simples que deles descendem, extremamente fáceis de enganar; a educação, sabe? A tal educação de que há pouco lhe falei. Não tiveram nenhuma, infelizmente, tal como sucede com os de hoje. Democracia, maiorias, minorias, direitos, constituições, repúblicas, monarquias, revoluções, respeito pelos outros, fantasias, meu bom amigo, fantasias, apenas isso; um golpe de Estado é cousa pouca para corrigir o mal de décadas, mesmo de séculos. Os nossos compatriotas nunca tiveram a coragem para fazer o que as circunstancias impõe…”

QUE ME PERDOEM OS IMPORTANTES E BRILHANTES ESCRITORES PELA MEDIOCRIDADE E A FALTA DE ASSUNTO DA MINHA MODESTISSIMA ESCRITA; NA ÂNSIA DE SER UTIL DESPREZO A BELEZA DO ESTILO.

A RAZÂO É SIMPLES: NÂO CONCEBO UM TEXTO SEM UTILIDADE SOCIAL; UM DIA LI UM CONTO DA AUTORIA DE UMA IMPORTANTE SENHORA DA NOSSA PRAÇA LITERÁRIA, UM TRABALHO COM NOVENTA PÁGINAS, EXTREMAMENTE BEM ESCRITO.

QUANDO CHEGUEI À PÁGINA OITENTA E TRÊS, INTERROGUEI-ME QUANTO À UTILIDADE DO LIVRO, À MENSAGEM, E COMO NÃO LHE ACHEI NEM A UTILIDADE NEM O SENTIDO, FECHEI O LIVRO E FUI ENTREGÁ-LO À BIBLIOTECA.

A LITERATURA A QUE CARINHOSAMENTE CHAMO DE “CALEIDOSCÓPIO” PRATICADA ACTUALMENTE NADA ME DIZ; QUE ME PERDOEM ESCRITORES E JORNALISTAS; OU JORNALISTAS – ESCRITORES- DOUTORES ADVOGADOS – COMENTADORES TELEVISIVOS DA ELITE QUE ANDA POR AÍ A ESCLARECER AS PESSOAS QUANTO AO FUTURO RISONHO QUE AS ESPERA! A SALVAÇÃO DO PAÍS FINALMENTE ESTÁ ENTREGUE EM BOAS MÃOS!

José Solá

 

   

Sobre jsola02

quando me disseram que tinha de escrever uma apresentação, logo falar sobre mim, a coisa ficou feia. Falar sobre mim para dizer o quê? Que gosto de escrever, (dá-me paz, fico mais gente), que escrever é como respirar, comer ou dormir, é sinal que estou vivo e desperto? Mas a quem pode interessar saber coisas sobre um ilustre desconhecido? Qual é o interesse de conhecer uma vida igual a tantas outras, de um individuo, filho de uma família paupérrima, que nasceu para escrever, que aos catorze anos procurou um editor, que depois, muito mais tarde, publicou contos nos jornais diários da capital, entrevistas e pequenos artigos, que passou por todo o tipo de trabalho, como operário, como chefe de departamento técnico, e que, reformado, para continuar útil e activo, aos setenta anos recomeçou a escrever como se exercesse uma nova profissão. Parece-me que é pouco relevante. Mas, como escrever é exercer uma profissão tão útil como qualquer outra, desde que seja exercida com a honestidade de se dizer aquilo que se pensa, (penso que não há trabalhos superiores ou trabalhos inferiores, todos contribuem para o progresso e o bem estar do mundo), vou aceitar o desafio de me expor. Ficarei feliz se conseguir contribuir para que as pessoas pensem mais; ficarei feliz se me disserem o que pensam do que escrevo… José Solá
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