HISTÓRIA Nº 25 (Continuação)
AMÉLIA DA CONCEIÇÃO
Amélia,
Gostei muito que tivesse ido ao cinema. Faz muito bem em sair. Fico muito contente quando me conta que se distrai com um filme ou uma peça de teatro. Vá, vá sempre que puder. Com a nossa idade não devemos adiar aquilo que gostamos e nos dá prazer. Olhe, o que me contou do filme corrobora as minhas palavras.
Existe infelizmente na sociedade actual o sentimento idiota que as pessoas com mais idade não têm o direito de se divertirem, de amarem, de frequentar os lugares que estão abertos a toda a gente. Mas, Amélia, siga em frente. É uma mulher moderna, inteligente e a abarrotar de glamour.
Um beijo do Amigo Desconhecido.
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Meu Amigo Desconhecido
Ando um pouco constipada. Já fui ao médico, que me receitou umas bugigangas, que espero me arrebitem. Então, e você, como está? Continua com a sua habitual boa disposição?
Prometi-lhe noutro dia que contaria uma ou outra história vivida por mim, quando trabalhava como Assistente Social. Como sabe, a função é de entrega quase total e obriga a que tenhamos a capacidade de analisar as situações com rigor e isenção. Mas acredita, meu bom amigo, que há gente capaz de cometer actos hediondos sem o mínimo de escrúpulos? Tinha sido encontrada abandonada uma criança num estado lastimável de saúde. Fiquei encarregada de tratar do bebé e diligenciar descobrir quem o abandonou. Tinha instruções para ajudar a mãe com tudo o que fosse necessário para a criança viver com o direito que se lhe assiste. Andei com ela ao colo, batendo de porta em porta, no bairro onde fora abandonado. Ninguém sabia de nada. Uma mulher que estava a estender a roupa à janela e que já percebera ao que eu andava, disse-me que me podia ajudar, mas nunca dissesse quem lhe deu a informação. “Ali, no 23, rés-do-chão, vive a mãe desta criança. Mas tenha cuidado que o homem com quem vive é um malandro da pior espécie”. – cochichou-me com receio. Agradeci e lá fui até ao 23, sem me preocupar com mais nada. Bati à porta. Surge uma rapariga, desgrenhada, com ar assustado e quase esquelética. Olhou-me, pressentindo qual o objectivo da minha visita, agarra na criança e beijou-a com sofreguidão. Do fundo da casa surgiu um homem com um aspecto horrível. Acredite, que naquele momento fiquei aterrorizada. Obriga a rapariga a devolver-me a criança, fecha a porta com violência e no minuto seguinte ouvi dois tiros. Corri a chamar a Polícia. Ele tinha assassinado a mãe do bebé.
Amigo Desconhecido, hoje fico por aqui, porque estou emocionada. Está a ver como o meu marido tinha razão?
Até amanhã, Amigo Desconhecido.
(…) continua
JOSÉ EDUARDO TAVEIRA