As fugas ao fisco (Continuação)

Agora, meu caro senhor jornalista, vou contar-lhe a história de uma família medianamente realizada, medianamente séria, que vê o “Sangue Fresco” na TV cabo, todos os jogos de futebol, lê a bola e revistas tipo Maria, ou equivalente. São, portanto, de acordo com os padrões nacionais, também medianamente cultos. A família do Zé Maricão. Conhece? Não? Mas olhe que são gente medianamente infeliz, como a maioria das famílias portuguesas.
O Zé Maricão é casado com a Jaquina do Modelo e têm um filho, o Remeloso, que anda na escola da Câmara na segunda classe e que tem nove anos. O Zé Maricão e a patroa, juntos, ganham mil e duzentos euros já livres de impostos. As horas livres vão todinhas para ele “sovar” no velho Fiat. São lavagens e esfregadelas, lustres puxados a flanelas, verificação do óleo, da água e da temperatura, antes e depois da volta (sempre, ou quase sempre a mesma, pela Ribeira do Porto); e a Jaquina afadiga-se na feitura de almofadinhas, cortinas e seus afins, mais berloques e pendurezas, nos enfeires pelo interior. O Fiat é um misto de cozinha, sala, varanda (quando abre o tejadilho), e quarto, sempre que o Zé apanha a jeito a Lili do prédio ao lado.
Um dia o Fiat pifou. Foi de caminho levado em “rodas” para o senhor doutor mecânico tratar. Passado uma semana infernal, está melhorzinho. Pelo menos tem pouca tosse. E vem a conta do médico, quatrocentos euros sem recibo.
Diga-me: o Zé Maricão, que mal tem dinheiro para comer, por razões cívicas, ou outras que se possam inventar, vai pedir recibo ao médico mecânico, para gastar mais noventa e dois euros para ter uma poupança no IRS de quatro euros e sessenta cêntimos? O Zé Maricão, a Jaquina do Modelo, e até o filho Remeloso são incultos, burros, mas parvos? Parvos, de todo, posso garantir-lhe que não são!
É o governo e a justiça que têm de investigar o comportamento do senhor doutor mecânico! É o governo que tem de melhorar o ensino e dinamizar a cultura das famílias, neste caso da do Zé! Como? Não sei. Eu não sou governo. Eu pertenço ao grupo dos que passaram a vida a sustentar os vários governos que destruíram este pobre País. Sabe como? Eu explico: com 22% de descontos por parte do trabalhador e 33% pelo lado da entidade patronal. Somam 55%, dos quais, trabalhadores ou empregadores nunca tiraram benefícios!
E a saga das “Fugas ao fisco” continuam. Leia, nos próximos dias: “Doenças Mentais e Estado Social”…

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About jsola02

quando me disseram que tinha de escrever uma apresentação, logo falar sobre mim, a coisa ficou feia. Falar sobre mim para dizer o quê? Que gosto de escrever, (dá-me paz, fico mais gente), que escrever é como respirar, comer ou dormir, é sinal que estou vivo e desperto? Mas a quem pode interessar saber coisas sobre um ilustre desconhecido? Qual é o interesse de conhecer uma vida igual a tantas outras, de um individuo, filho de uma família paupérrima, que nasceu para escrever, que aos catorze anos procurou um editor, que depois, muito mais tarde, publicou contos nos jornais diários da capital, entrevistas e pequenos artigos, que passou por todo o tipo de trabalho, como operário, como chefe de departamento técnico, e que, reformado, para continuar útil e activo, aos setenta anos recomeçou a escrever como se exercesse uma nova profissão. Parece-me que é pouco relevante. Mas, como escrever é exercer uma profissão tão útil como qualquer outra, desde que seja exercida com a honestidade de se dizer aquilo que se pensa, (penso que não há trabalhos superiores ou trabalhos inferiores, todos contribuem para o progresso e o bem estar do mundo), vou aceitar o desafio de me expor. Ficarei feliz se conseguir contribuir para que as pessoas pensem mais; ficarei feliz se me disserem o que pensam do que escrevo… José Solá
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