O turismo veio de maré cheia a arrastar consigo uma vida incomportável nos custos, que se foi infiltrando de norte a sul, cidade a cidade, vila a vila, aldeia a aldeia, praia a praia, e as pessoas na verdade habituaram-se sim a passar de largo, a ver a felicidade de brilho posto nos rostos dos de fora. O povo do país de Tal passou a ser de gente que já nem quer ser feliz, apenas pede que a deixem viver. E para viver vale tudo, sem regras, sem princípios, sem morais. O povo afunda-se no lamaçal do “Sim senhor” dito pelos seus governantes a tudo o que lhes mandam fazer os governos de fora. O país deixou de ser uma terra específica, com realidades inerentes ao seu jeito de ser, às suas particularidades, aos hábitos característicos do seu modo de vida. A independência esfuma-se com as dívidas que sobem, e é exactamente quando os juros da dívida externa se aconchegam na multiplicação sem limites, que um presumível salvador arregimenta no seu cérebro conceitos e princípios que diz servirem na perfeição para a solução de todos os males, todas as maleitas que minam por dentro a vida da sociedade que se desmorona. E se, de país, passássemos a uma confederação de sítios ligados por uma língua comum? Como assim, perguntam os angustiados políticos honestos que restam, (poucos, contam-se pelos dedos de uma mão), o povo acomodado pelas ruas, os muito poucos industriais honestos que já não aguentam pagar mais impostos, (tão poucos que temos de percorrer as ruas de candeia acesa em pleno dia para os descobrir). É simples, – diz o mais recente salvador da pátria, – auto-dividimo-nos em talhões e vendemo-nos aos países de quem somos devedores. Desta maneira saldamos a cem por cento o nosso monstruoso défice, e o que sobra, (sim, porque um país – maravilha como o nosso vale bom dinheiro), vai permitir que continuemos este nosso viver. Então e depois? Perguntam os políticos, o povo, os poucos industriais, todos os que restam de gente séria. Depois?! Bom, deixem-me pensar, dêem-me tempo! Não sou uma máquina de produzir ideias brilhantes! Sou uma simples e modesta pessoa que se considera esperta! E o nosso homem das ideias pensou, pensou, e depois de passado algum tempo, disse: Depois temos duas soluções que me parecem bastante viáveis! Ou nos continuamos a subdividir, – o que me parece o mais conveniente, – ou imigramos e por essa forma voltamos a dar novos mundos ao mundo. De qualquer modo o que mais interessa é que a nossa raça continue, e isso está largamente assegurado, desde que continuemos a dispor de gente com ideias, assim como eu. Os políticos honestos, o povo, os poucos industriais bons, olharam uns para os outros, franziram as testas e começaram a pensar, até que um importante politico, (um homem ligado às finanças e ao governo, não dos de quem acima se falou), disse, como se apenas para si falasse: bom, na verdade tem de se começar por algum lado, e porque não esse? E para implementarmos essa ideia o que é preciso fazer? Quis saber o povo. O nosso politico pensou novamente e disse: Primeiro é preciso votar para aprovar a ideia, (não nos podemos esquecer que somos uma democracia), depois, bem, depois, o governo em vigor deve de propor que alguém se responsabilize em formar uma comissão que irá elaborar os estudos necessários para tornar exequível a divisão do país em talhões! Outra comissão? Interpelaram-se as gentes do povo em surdina. Então, – diziam uns, – eles lá sabem, não foram eles que estudaram? Não são eles que têm os livros? Só nos faltava agora, depois de tanto termos descontado para a educação, que fossemos nós, os iletrados, os burros, a termos de tomar uma decisão…
De diz que não diz e torna a dizer, foi o dia passando, entre as modorras malandras do sol quente do país de Tal, refinado de cheiros de maresias ou de pólen de flores, ou de encharcados bafos de pinhal a descerem das terras altas. Veio a noite. Todos foram para casa, (todos quer dizer, todos os que ainda tinham casa), confortados com a ideia passada pelo ministro que aquela comissão ia a cumprir com todos os objectivos que lhe fossem mandados fazer…
Veio a manhã do dia seguinte, uma manhã de névoas profundas como se finalmente o dom Sebastião acabasse de desembarcar nas praias da quimera, uma manhã às avessas do dia anterior, solarengo que fora, quente de sobra para satisfazer os corpos, para permitir uma noite descansada a todos quantos dormem na rua. Se el rei dom Sebastião havia desembarcado ou não, ninguém sabia. Por um lado porque a madrugada ainda era uma menina de olhos fechados ligada ao cordão umbilical da mãe terra, por outro, o povo não vive de coisas concretas, vive de subterfúgios, de um viver de faz de conta, de pensar um dia de cada vez, o que virá depois se verá. E se o dom Sebastião chegou, bom, ele que venha por bem se trouxer dinheiro vivo; haverá alegria nas praças, o povo vai cantar e rir, o governo vai dar um profundo suspiro de alívio porque se quebrou o enguiço, finalmente alguém que chegou com dinheiro!
Com o avançar da madrugada, que de nevoenta e gélida se foi tornando mais amiga, um rasgos feitos lá por cima, entre as nuvens, como se um amigo tivesse soprado um sopro quente das alturas, umas nesgas de azul mostraram uns medrosos fios aloirados a largar luz; para quem sonhou com o regresso do rei, ao erguer-se da cama e espreitar às vidraças embaciadas da janela, não foi preciso pôr um pé na rua para saber que o jovem monarca não tinha chegado. Ele nunca vem quando a visibilidade é, pelo menos razoável, para não dizer boa; então, se o rei dom Sebastião não chegou com uma saca cheia de moedas de oiro, roubado aos sarracenos infiéis, o país não está a salvo das injustiças feitas pelos outros, os de fora. Estamos na mesma, como ontem, no dia anterior, nos anos passados, nos muitos séculos que já se foram. Pobres de nós, gente simples do povo, ou rufias do polvo em que o poder se tornou. (Também que condição aquela, de só chegar numa manhã de denso nevoeiro…)
NÃO SENDO ADIVINHO…
Sobre este pequeno texto do romance Ganância (livro pouco divulgado e menos lido, porque as pessoas gostam de se sentirem importantes e nunca por nunca se espreitam no espelho da alma), temos uma visão nada poética sobre o nosso futuro.
Os talhões em que nos dividimos para facilitar a auto-venda não são, – como é evidente, – os quintais ou as hortas de um qualquer senhor António com gosto esmerado pela agricultura, são antes pedaços desta Pátria velha de séculos, construídos com esforço e engenho. São a TAP, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, a EDP, as Águas de Portugal, a Carris, o Metropolitano, a Transtejo, a CP, e tudo o mais que os “calhordas” a quem damos o nome de políticos e de Governo entendam que vale a pena vender porque lhes traz lucro. Portugal é apenas uma modesta feira da Ladra propriedade de gente sem escrúpulos, medíocres, e tudo nos diz que também desonestos. A verdade é que todos estes talhões já dispõem de compradores. É isto a grande Europa, terra de civilização e de cultura. Mas, – pergunto, – será que a Europa tem a obrigação de respeitar e auxiliar um País que vendeu ao desbarato todos os seus meios de produção? Pessoalmente, digo:”É evidente que não!”. Antes vendemos mulheres e homens para construírem a terra dos outros, e com o envio de divisas externas permitirem a continuidade da ditadura, hoje vendemos pedaços do chão que nos devia ser Sagrado, gotas do nosso sangue, lágrimas do esforço que tantos fizeram para levantar do chão esta Terra. E também vendemos mulheres e homens, os nossos filhos, hoje preparados e instruídos o necessário para fazer um País melhor e, finalmente, moderno e justo!
Quem somos, afinal? Um Povo que deu ao Mundo os tais mundos novos, gente que foi grande mas hoje se encolheu, ou gente que, – ao longo dos séculos, – acreditou em histórias da “carochinha”? Talvez nem uma coisa nem outra. Somos um punhado de milhões que sofre de preguiça mental, e se assim é, teremos o direito de ter uma Nacionalidade, uma Pátria, um Chão? Aqui fica esta pergunta para nos fazer pensar!
Os outros povos sabem o que querem. Vejam se eles demonstram interesse numa possível compra do arquipélago da Madeira? Só um louco teria interesse nessa parcela do nosso, (ainda) território nacional.
Ontem cheguei do sul, mais exactamente de Monte Gordo. Sabem que o comércio local é, na sua quase totalidade, propriedade de indianos e de chineses? E os produtos que vendem? São fabricados na China e na Índia! Isto, para um País de desempregados, com um Chefe de Estado que fala em credibilidade perdida no estrangeiro, é de rir até às lágrimas!
Aos setenta e um anos de idade tenho vergonha, muita vergonha, da minha Nacionalidade, da língua em que me exprimo e do povo a que pertenço.
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