Havia uma cerimónia no pântano. Ouvia-se música, uma música dolente. Celebrava-se o «dia dos mortos».
Diante da águia fixavam-na uns olhos frios. Era o crocodilo, mastigando algo entre os seus dentes muito brancos.
«Com que então», perguntou, «achas que eu me daria ao trabalho de colocar uma bomba no quarto do rei? Tens lata, realmente. Ou és estúpido. Vir dizer-me isso na cara…»
Os seus dentes bateram uns contra os outros. Largou um breve riso de desprezo. «Prefiro esperar pelo dia em que o leopardo tenha coragem para passear sozinho, sem guarda-costas nem amigos. Prefiro esperar pelo grande frente-a-frente. Eu e ele, a sós. Vai saber-me bem, tenho andado esfomeado. Desaparece, ou não respondo por mim…»
A águia voltava, pois, para o cimo do seu sublime penhasco, ainda com o riso do crocodilo a esfriar-lhe a alma, quando ouviu, ao longe, um “pang”. Conhecia aquele som. Inegavelmente: um tiro. Ainda mal se perguntara o que seria aquilo, quando sentiu uma dor na asa direita, soltaram-se-lhe penas, perdeu o controle do voo e mergulhou a pique: fora atingida.
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