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Crónicas da Brilha: O ópio do povo
Quando chego a casa, ao fim de cada dia, meto a chave à porta e o que me espera é uma grande solidão.
A casa é grande demais para uma pessoa só, digo mais para mim do que para ti. Tu acenas, dizes boa noite e continuas com os olhos cravados no monitor. Dantes ao menos perguntavas como tinha sido o meu dia.
Do outro lado da linha, ela sorri. Esbofeteia o teclado com segredos de amor, de interesse, mas sobretudo de um enorme ímpeto de destruição.
Como chegámos a isto, tu e eu?
Alheado, continuas sem me ver. Só tens olhos e mãos para ela, que te espera todas as noites pontualmente às 20h00, por detrás do véu. A aparência de inocência do teu gesto não me apazigua. Eu sei que ela está do outro lado, pressinto-o nas minhas vísceras. Não consigo comer. Mais uma noite sem jantar.
Dantes não tínhamos espaço na mesa, lembras-te? Os filhos pequenos a acotovelarem-se e a bradar pela sobremesa. Mas éramos felizes, não éramos? Fomos felizes, não fomos?
Quando pouso a minha mala sinto-te um estranho, sinto-me invisível. No outro dia estavas a cochichar com ela ao telemóvel e nem sequer tentaste esconder. Ouvi os sussurros durante mais de uma hora e fui para o quarto.
Às vezes o pior cego é o que não quer ver, podiam dizer-me, eu replicaria que estou a tentar salvar a minha família e a única arma que encontrei é o silêncio.
Já lá vai quase um ano que não trocamos uma frase, as tuas palavras são todas para ela. Já lá vai um ano que estou rodeada de mentiras e não percebo como pensas que não vejo.
Por curiosidade mórbida fui ver as fotografias e uma vez mais a solidão se agitou dentro de mim, dessa tua vida secreta em que não me deixas entrar. Desse outro que és e eu já não conheço.
Sinto a falta dos abraços, dos beijos, das corridas na areia da praia, no fundo de sentir que sou importante, para ti, que valeu a pena. Hoje já não sei nada, paraliso perante a tua alienação em frente de um computador que te importa mais do que o laço que nos une.
Não faço nada, não posso fazer nada, agarro-me apenas a esta memória, mais para mim do que para ti. Fomos felizes, não fomos, filho?
Ana Brilha
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